Criação de empresa para administrar hospitais universitários gera polêmica

O Congresso Nacional aprovou, no dia 25 de maio, a Medida Provisória (MP) nº 520, que cria a empresa pública sob a forma de sociedade anônima, denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. (Ebserh), com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, vinculada ao Ministério da Educação. Editada em 31/12/2010, último dia do governo Lula, a matéria vem gerando muita polêmica entre os movimentos sociais e nas universidades federais, que temem a privatização dos serviços prestados pelos hospitais universitários. Agora, a MP será apreciado pelo Senado.

De acordo com a MP, entre outras competências, a empresa deverá administrar unidades hospitalares e prestar serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar e laboratorial à comunidade no âmbito do SUS. Além disso, terá de prestar, às universidades federais ou congêneres, serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à formação de profissionais no campo da saúde pública.

Para prestar os serviços, a Ebserh firmará contratos – aprovados pelos ministros da Educaçãod+ e do Planejamento, Orçamento e Gestão – com as instituições de ensino. Esses contratos estabelecerão metas de desempenho, indicadores e prazos de execução a serem observados pelas partes, além de sistemática de acompanhamento e avaliação dos resultados.

A Ebserh contratará pessoal sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Decreto-Lei 5.452/43), mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

No entanto, para a imediata instalação da empresa sem descontinuidade dos trabalhos nos hospitais, a MP prevê a hipótese de contratação temporária, em processo seletivo simplificado, com base em análise curricular. A contratação temporária poderá ocorrer nos primeiros 180 dias de funcionamento da Ebserh, e esses contratos poderão ser prorrogados uma única vez, desde que a soma dos dois períodos não ultrapasse dois anos.

Conforme o texto, os servidores públicos atualmente dedicados a atividades nos hospitais universitários poderão manter seu vínculo empregatício por meio de cessão à nova empresa. O objetivo é preservar as equipes que já atuam nas instituições. A norma assegura aos servidores cedidos todos os direitos e vantagens a que façam jus no órgão de origem.

Segundo a MP, constituirão recursos da Ebserh as receitas decorrentes da prestação de serviçosd+ da alienação de bens e direitosd+ das aplicações financeiras que realizard+ dos direitos patrimoniais, tais como aluguéis e dividendosd+ e dos acordos e convênios que firmar.

A empresa será administrada por um conselho de administração, com funções deliberativas, e por uma diretoria executiva. Haverá ainda um conselho fiscal.

Vice-Reitor considera MP “equivocada”

Diversos debates estão ocorrendo pelo país para discutir a medida. Na UFSC a manifestação contrária a MP ocorreu no início do mês de maio. Organizado por sindicalistas e pela comunidade universitária, os manifestantes alertaram a população a respeito das consequências da privatização do hospital. Segundo eles, a criação dessa subsidiária amparada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão descaracteriza os hospitais universitários e extinguirá a gratuidade concedida pelo Serviço Único de Saúde (SUS). A temeridade é de que como empresa de Sociedade Anônima, a Ebserh visará lucro e que transformaria os usuários em clientes.

Já a administração central da UFSC ainda não se manifestou oficialmente sobre o assunto.  Apenas o vice-reitor, Carlos Alberto Justo da Silva, o Paraná, que foi Diretor do HU de 2004 a 2008, afirmou, após conquistar a condição de  “candidato oficial” a Reitor, que considera a MP “equivocada” e que “cada hospital tem desafios diferentes e eles devem ser enfrentados de acordo com as suas peculiaridades. No nosso caso, é importante respeitar a opção de ser 100% SUS e a decisão de continuar atuando como uma autarquia ligada à Universidade Federal de Santa Catarina. Além disso, existe a questão da autonomia universitária, que dá às instituições a prerrogativa de buscar as soluções para seus problemas”.

Durante audiência pública realizada pelo Conselho Universitário (CUn) na sexta-feira, dia 20 de maio, o diretor do HU, professor Felipe Felício, afirmou que tem “muita preocupação” com a MP pois existem, segundo ele, pontos “nebulosos” no texto. “O que queremos é que o HU continue com atendimento 100% pelo SUS e que garanta a formação de recursos humanos para o setor da saúde”, disse ele.

Em abril, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão em conjunto com a Escola Superior do Ministério Público da União promoveu um seminário, em Brasília, que reuniu diversas autoridades para debater a matéria.

O representante do Conselho Federal de Medicina (CFM), Waldir Cardoso criticou severamente a medida provisória. “O CFM defende o SUS e o caráter público da saúde de forma intransigente, que vêm junto com os princípios fundamentais da integralidade, universalidade, equidade e descentralização. Estamos preocupados com essa MP editada no apagar das luzes do governo Lula, que vai re-centralizar a gestão do SUS e interferir na autonomia das universidades brasileiras”.

Apesar de todos os discursos fundamentados em argumentos contra a MP 520, o relator da matéria na Comissão Mista no Congresso Nacional, deputado Danilo Forte (PMDB-CE), que estava presente no seminário, mostrou-se a favor da MP. “O problema da saúde passa pelo tamanho do Estado e do tamanho da nação. Essa MP se limita a resolver o problema da gestão dos recursos humanos da saúde. Só há duas alternativas: a criação de uma fundação, que já foi rejeitada, e a criação da empresa pública, que está em discussão”, argumentou.

Para a coordenadora geral da Fasubra-Sindical, que esteve em Florianópolis na última semana, a empresa vai ser uma superestrutura criada para gerenciar 150 hospitais públicos, incluindo os 46 HU”s, e propõe que os recursos usados para criar essa empresa poderiam, dentro de uma lógica administrativa mais humana, serem utilizados na realização de concursos públicos, melhoria do investimento nas universidades federais e dos equipamentos dos HU”s, como formas de aumentar a qualidade dos serviços prestados por aquelas unidades de saúde.

Léia aponta, como uma grande falha da MP, a falta de controle social da Ebserh, conforme preveem a Lei 8080 (SUS) e o artigo 173 da Constituição Federal. Afirmou que a solução encontrada pelo Governo Federal não vai resolver a crise das Fundações de Apoio privadas, cujas dívidas chegam a R$ 600 milhões de reais, e criticou a adoção do modelo de gerenciamento do Hospital das Clínicas de Porto Alegre como ideal de gestão administrativa dos HU”s.

A representante da Fasubra denuncia ainda que, com a previsão de existirem subsidiárias na Ebserh para gerenciar pessoal, haverá um processo de “quarteirização” das relações de trabalho. Além disso, ela afirma que existe uma lacuna enorme sobre qual política de pessoal será destinada aos servidores que trabalham nos hospitais universitários a serem cedidos para a Ebserh.

No dia 24 de maio acontece em Brasília o Dia Nacional de Luta contra a MP 520 e, no dia 1º de junho, haverá um ato em Florianópolis contra a MP. O protesto acontecerá às 12h30, em frente ao HU.

Parecer de advogados afirma que MP é inconstitucional

O escritório de advocacia Alino E Roberto e Advogados, com sede em Brasília e que exerce a Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, preparou um parecer alegando a que MP é inconstitucional por vários motivos, entre eles a exigência de lei específica para a criação de empresa públicad+ o abuso do poder de legislar por medida provisóriad+ o critério da urgência na edição de MP, o desrespeito à autonomia universitáriad+ a violação ao princípio da moralidade e aos postulados da boa-fé objetiva e da proteção da confiançad+ a inexistência de necessidade transitória apta a justificar as contratações por tempo determinado a serem implantadas pela Ebserh e a incompatibilidade do regime da CLT da empresa pública com o estatutário das universidades.

“Pelos argumentos elencados, a MP 520 é formal e materialmente inconstitucional. Sugere-se, a princípio, que esses argumentos sejam levados ao Congresso Nacional para que haja a sua rejeição. Caso seja convertida em lei, recomenda-se o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade para que o Supremo Tribunal Federal decida sobre a matéria”, afirma o parecer.

Além disso, a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Codsef) encaminhou ofício a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pedindo o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). Em resposta, a OAB informou que a solicitação da Federação foi encaminhada à Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, onde será analisada a possibilidade de uma Adin.

Governo justifica medida

O ministro da Educação, Fernando Haddad, é quem fala pelo Governo Federal sobre a MP. Para ele, “o modelo de gestão dos hospitais universitários está em crise desde a década de 80. Os órgãos de controle exigiram do governo federal um novo modelo a ser adotado em todo o País.”

Para Haddad, “o formato empresa pública permitirá uma desejável autonomia financeira, adoção de normas e procedimentos próprios de compras e contratações, contratação de pessoal e regime de remuneração alinhados com o mercado de trabalho. Operando com vários hospitais, terá oportunidade de obter ganhos de escala e especialização nos processos de compras, gestão de processos e pessoas. A empresa estará apta a captar recursos próprios provenientes da prestação de serviços, mediante contrato que estabelecerá metas de desempenho, indicadores e prazos de execução e uma sistemática de acompanhamento e avaliação de resultados”.

De acordo com o ministro, a organização como empresa possibilitará a contratação de profissionais sob regime celetista e o estabelecimento de um regime de remuneração e gestão de pessoal compatível com a realidade do setor. “Esta é componente fundamental do projeto para permitir a gestão com a necessária autonomia e flexibilidade necessários à prestação de serviços hospitalares. Questão crucial a ser equacionada com a implementação do novo modelo será a regularização da situação criada com a proliferação de contratações irregulares de terceirização de mão de obra”.

Os servidores públicos atualmente dedicados às atividades específicas dos hospitais universitários, justifica ainda Haddad, manterão o seu vínculo por meio de cessão à empresa, com ônus para esta, preservadas desta forma as equipes que já atuam nestas instituições. “Para a imediata instalação da empresa sem descontinuidade, poderão ser recrutados quadros de pessoal celetista por meio de contratação temporária em processo seletivo simplificado, baseado em análise de curriculum vitae. Esse mecanismo permitirá o reconhecimento da experiência profissional dos empregados atualmente contratados por fundações de apoio, os quais poderão ser beneficiados pelo reconhecimento dessa experiência quando se submeterem ao processo de recrutamento”, afirma ele.

Apufsc não tem posição oficial

O Presidente da Apufsc Sindical, Professor Carlos Mussi, reuniu-se na semana passada com representantes da Fasubra, tendo manifestado sua preocupação com os serviços de apoio ao ensino e à pesquisa e a formação de profissionais no campo da saúde, principais objetivos dos hospitais universitários e com a forma de contratação dos profissionais através da CLT.

A Apufsc, entretanto, seja por meio da Assembléia Geral, do Conselho de Representantes ou da Diretoria, não se manifestou oficialmente sobre a MP 520.