Relator vota por cotas na universidade

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski votou ontem pela legalidade do sistema de cotas raciais na seleção de alunos pelas universidades brasileiras. Lewandowski é o relator de duas ações que contestam a reserva de vagas com políticas afirmativas e foi o único ministro a apresentar seu voto no primeiro dia de julgamento – que será retomado hoje.

Lewandowski reconheceu a validade das ações afirmativas como forma de tentar reduzir as históricas desigualdades sociais entre grupos étnicos e realizar a justiça social.

O ministro foi interrompido diversas vezes por Joaquim Barbosa, o único integrante negro do STF. Barbosa citou o sucesso de políticas afirmativas nos Estados Unidos. Disse que o presidente Barack Obama é o principal exemplo. E fez observações sobre os que criticam a política de cotas: “Basta ver o caráter marginal daqueles que se opõem ferozmente a essas políticas”.

Para provar a persistência do quadro de desigualdades sociais no Brasil, Lewandowski citou informações segundo as quais cargos de alto escalão e de direção de empresas são ocupados em sua maioria por brancos. O ministro acrescentou que o grande beneficiário do sistema de políticas afirmativas é todo o meio acadêmico, que terá a oportunidade de conviver com a diversidade.

“A política de ação afirmativa não se mostra desproporcional ou irrazoável”, disse o ministro. “É compatível com a Constituição”, acrescentou. Ele observou que no caso específico da Universidade de Brasília (UnB) a regra de 2013 estabeleceu que a política terá vigência durante dez anos. Depois desse período, será avaliado se é necessário mantê-la.

O tribunal julga três ações. Duas delas questionam a constitucionalidade de regras adotadas pela UnB e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para ingresso nas instituições por meio do sistema de cotas. Na terceira ação, são contestados dispositivos que estabeleceram políticas afirmativas no âmbito do Programa Universidade para Todos (ProUni).

Iniciativa. A ação contra a política da UnB – a que começou a ser analisada – é movida pelo partido Democratas. Antes do início do voto do relator, a advogada do DEM, Roberta Kaufmann, sustentou que a política baseada em parâmetros étnicos poderá criar no País um modelo de Estado dividido pelo critério racial.

“Se fizermos uma política de recorte social, com base em critérios objetivos, como por exemplo renda mínima ou ter estudado em escolas públicas, faremos a integração necessária, sem criarmos os riscos de dividirmos o Brasil racialmente”, disse.

Em nome do Ministério Público Federal, a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, disse que não existe democracia racial no Brasil. “A abolição não significou a transformação da coisa em sujeito”, afirmou. “Não precisamos de dados estatísticos, basta um olhar na composição dos cargos do alto escalão do Estado brasileiro ou nas grandes corporações e, na contrapartida, olhar para a população carcerária desse país e para quem é parado pela polícia nas cidades brasileiras.”

A favor das cotas, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, citou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disse que 50% da população são de negros e pardos. Entretanto, dos 10% mais pobres da população, 11,5 milhões são negros e pardos e apenas 4 milhões, brancos. Segundo o advogado-geral, o sistema de cotas da UnB demonstrou que em quatro ou cinco anos os cotistas negros praticamente atingiram o nível dos outros alunos.