Em defesa da UFSC

Interpretar as causas do difícil momento e apontar caminhos que resguardem a respeitosa história e nome da UFSC é uma tarefa inadiável. Os episódios recentes e sua repercussão social exigem um esforço de todos.

Ao longo desses 54 anos, aqui foram formados mais de 80 mil alunos de graduação1d+ atualmente temos 105 cursos de graduações e 156 de pós-graduação. Estamos já na terceira geração de docentes, tendo hoje um quadro em torno a 2,3 mil docentes – quase todos doutoresd+ contamos com cerca de 3.100 TAEsd+ formamos dirigentes públicos, empresários, professores, lideranças políticas e sindicais. Com um orçamento direto de cerca de 1,5 bilhões de reais, a UFSC é maior que muitas prefeituras do Estado, mas seu maior patrimônio é imaterial, de cultura e saberes, que a coloca entre as melhores universidades do país e reconhecida no exterior.

Portanto, não são aceitáveis críticas reducionistas, vindas de agentes públicos ou pessoas internas ou externas que, ao avaliarem uma gestão ou um fato, imputem a toda a universidade termos depreciativos e ameaças, baseados em posições simplistas sobre delicados assuntos. Por exemplo, não se pode reduzir a discussão sobre se devemos ter ou não polícia dentro do campus, o que inequivocamente precisamos afirmar é que não queremos uma polícia política.

Não se pode tratar o uso ou não de drogas (do álcool, maconha etc) de um ponto de vista moralista, mas sim coibir fortemente seu consumo e tráfico dentro do campus. Não se pode aceitar a difusão da tese de que a tarefa mais importante é combater a corrupção na UFSC, uma generalização perigosa que recai sobre todos, na medida em que carece de comprovação até o momento. Por fim, não é aceitável que se semeie qualquer tipo de apartheid interno envolvendo áreas de conhecimento, gênero, raça, credo religioso e matiz política em nome de interesses e lutas pelo poder. Quando pensamos no patrimônio do saber e da cultura, a UFSC deve ser dialeticamente conservadora e revolucionária. As falsas polarizações e posições simplistas não educam nossos jovens para a democracia, só contribuem a filiação destes ao sectarismo e as teses doutrinárias à esquerda e à direita, o que diminui nossa instituição.

Nosso sistema político universitário deve demonstrar altivez e desprendimento, ajudando a encontrar caminhos que preservem nosso patrimônio moral e intelectual. Portanto, a Política, deve empenhar-se hoje e sempre em ajudar o desenvolvimento institucional e não dificultar seu funcionamento. Isso deriva de um exercício político que busque os consensos possíveis, reconhecendo a pluralidade de posições como um valor, em que os interesses acadêmicos dirijam-se para a realização das finalidades universitárias socialmente definidas. A universidade não é feita para servir a si própria ou aos seus segmentos, ela pertence ao povo.

Uma interpretação possível para este momento difícil talvez esteja em perceber que o que está em disputa não seja somente o espaço de poder, mas os diferentes modelos de universidade que cada um esteja buscando praticar. Isso é bom, desde que as regras dessa disputa respeitem princípios democráticos.

A universidade brasileira é nova e carece de identidade própria, copia modelos conhecidos2 ou apenas parte deles. Parece haver entre nós os que preferem um modelo de universidade de Estado, como o francês, que é mais uniforme, com hierarquização da estrutura administrativa e uma educação padronizada, fundado na ideia de garantir a estabilidade política do Estado (idealizado). Algo que pode explicar algumas ações que se empreendem atualmente em algumas de nossas universidades. Seus defensores talvez tenham dificuldades de conviver com o modelo tipo americano, em que o saber é um instrumento para a açãod+ baseado em alguns princípios que permitem um acesso custeado para todos (elite e massas), um modelo a serviço do desenvolvimento da nação, com um ensino e pesquisa a serviço do estímulo à criatividade e à inovação, ainda que mais ligado ao mercado. Tal modelo, é bom lembrar, tem origem anglo-saxônica, mas distanciou-se e apresenta características bastante distintas em relação a esse Último modelo, o qual se assenta na ideia da Universidade do Espírito, feita para educar mentes e para um saber universal, sem fins práticos e voltado para formar uma elite, possuindo uma forte formação moral, intelectual e não vocacional. Por fim, há ainda outro modelo que, parcial ou confusamente, se aproxima desses dois últimos modelos É a ideia de universidade da Pesquisa, vista como uma comunidade de pesquisadores, com a missão de ensinar e fazer ciência, erguida para conduzir um projeto nacional, baseada na colaboração, e onde a autonomia interna e externa estruturam seu sistema organizacional e pedagógico.

Pode ser essas raízes de universidade, às vezes mal compreendidas e copiadas, que geram tensões de natureza acadêmica que, quando associadas às determinadas diretrizes ou prioridades de gestão, produzem conflitos que a política universitária precisa saber administrar com cuidado e respeito, dado que constituem as diferentes visões dentro da UFSC. Afinal, quantos modelos de universidade temos dentro da UFSC? As respostas poderão dar a dimensão do desafio que temos para encontrar o modelo mais adequado à realidade de nosso país e aos propósitos universitários que a sociedade nos exige.

Portanto, compreender a origem de nossas diferenças pode ser um bom caminho para apaziguar nossas desavenças e fazer com que essas não nos coloquem num terreno pobre e pantanoso, comprometendo uma história exitosa, ainda que sempre incompleta, que muitos ajudaram a construir. A UFSC vem deixando de ser apenas uma universidade de qualidade para poucos.

Somos uma referência de formação e de produção de saberes. Não expandimos mais porque faltam recursos e não realizamos toda a nossa potencialidade porque nosso sistema de meios precisa ser aprimorado e profissionalizado. Mas é bom lembrar sempre: não está tudo errado! Pelo contrário, estamos fazendo bem aquilo para a qual a sociedade nos paga. Nem tudo são trevas, não temos do que nos envergonhar, nem mesmo com os ataques levianos e irresponsáveis à história da instituição, como estamos presenciando.

Mesmo exercendo o legítimo direito à defesa de nossos pontos de vista sobre o episódio, deixemos de lado isso por um momento, e assumamos o compromisso de dizer à sociedade que somos unos em afirmar que a UFSC merece respeito e é maior que tudo isso.

*Carlos Alberto Marques (Bebeto)
Professor do CED

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1 Fonte: DAE/UFSC.
2DREEgraved+ZE, J. H.d+ DEBELLE, J. Concepções da Universidade. Tradução: Francisco de Assis Garcia e Celina Fontenele Garcia. Fortaleza: UFC, 1983.