Entre o discurso e a prática: quando Dilma, Wanda e Stela se fundem

No seu discurso de 16 de março de 2015, após as manifestações de protesto contra o governo e o PT, Dilma Rousseff nos brinda com as seguintes declarações:

“Nunca mais no Brasil nós vamos ver pessoas, ao manifestarem sua opinião, seja contra quem quer que seja, inclusive a Presidência da República, sofrerem quaisquer consequências (…) valeu a pena lutar pela liberdade. Valeu a pena lutar pela democracia. Este país está mais forte que nunca”,

“muitos da minha geração deram a vida para que o povo pudesse ir às ruas se expressar”. “Eu, particularmente, participei e tenho a honra de ter participado dos processos de resistência da ditadura. Como outros brasileiros, sofremos as consequências da resistência para ver esse país livre da censura e da opressão, da interdição da liberdade de expressão”.

Tais afirmações causam perplexidade e mal estar pela insistência com que Dilma Rousseff sistematicamente repete o teor dessas declarações. Isso parece indicar que ela realmente acredita no que está falando, isto é, que realmente participou de “processos de resistência da ditadura” com o intuito de ver o país “livre da censura e da opressão, da interdição da liberdade de expressão”. Vamos mostrar a seguir que isso não é verdade, refutando com evidências robustas.

Inicialmente, retornemos ao contexto da época para entendermos o que seria essa resistência democrática a que Dilma Rousseff se refere, bem como a sua extensão.

A grosso modo, a fase mais dura do regime militar corresponde ao período que se segue ao Ato Institucional 5(AI-5) de 13 de dezembro de 1968 e vai até o fim da luta armada (~1974). O AI-5 foi o instrumento que possibilitou uma resposta mais efetiva dos orgãos de segurança do regime contra as ações terroristas dos grupos da luta armada, dando amplos poderes ao presidente É comum colocar o AI-5 como uma mera reação do regime militar contra o Congresso, por conta de um discurso exacerbado de um certo deputado, Márcio Moreira Alves, medida extrema que seria segundo alguns

“o instrumento que faltava para que o regime, concentrado na figura do presidente, cassasse direitos políticos e interviesse nos municípios e estados. Sua primeira medida foi o fechamento do Congresso Nacional, até 21 de outubro de 1969.” [1]

Contudo, tal interpretação é contraposta pelo que escreve o ex-senador Jarbas Passarinho [2]

“O AI-5, olhado simplesmente como resposta retaliadora ao Congresso, seria um grave erro de julgamento. Visto como violação imperdoável da Constituição castellista de 1967, não teria defensor. Mas ele põe em contraste duas visões antagônicas: as dos que o vêem como um exemplo de inclinação para o despotismo, e a dos que se subordinaram aos imperativos das circunstâncias. Os primeiros não se dão conta da escalada da insurreição, com a participação do terrorismo (ou eram parte disso)d+ os outros estavam certos de, defendendo a ordem constituída, impedirem a vitória dos guerrilheiros e terroristas comunistas.”

E continua em outro trecho:

“Vivíamos sob uma Constituição democrática, a de 1967. Funcionava a prescrição de Montesquieu sobre a divisão dos Poderes. O Legislativo provinha de eleições livres, realizadas em 1966, o Judiciário era independente, a imprensa era livre. As liberdades fundamentais, asseguradas. O AI-5 como resposta ao dilema de defender-se ou suicidar-se, optou pela defesa, contra a agressão das minorias comunistas.”

Jarbas Passarinho nos coloca então um contexto que nunca é mencionado nas declarações de Dilma Rousseff – o da insurreição armada e do uso de terrorismo por grupos que se opunham ao regime militar, não para o restabelecimento da democracia, mas sim para transformar a nação em uma ditadura comunista. Diante desse elemento, como devemos entender então a tal resistência democrática que Dilma Rousseff tanto se orgulha de ter participado? é fato que havia uma resistência democrática ao regime militar, feita por políticos como Ulysses, Tancredo entre outros, da mesma forma que o regime militar também teve fases de intenso apoio popular, como confirma a vitória esmagadora da ARENA (partido que apoiava o regime militar) diante da oposição do MDB nas eleições legislativas de 1970, exatamente na fase mais dura do regime militar, em plena vigência do AI-5.

Estaria então Dilma Rousseff de alguma forma apoiando a resistência democrática que se exercia através da política, ou estaria ela associada à ação dos grupos terroristas que pretendiam implantar uma ditadura comunista no Brasil?

é fácil responder a pergunta se analisarmos a extensa documentação compilada pelo Centro de Informação do Exército (CIE) no livro “Orvil” [3]. Assim, na página 412, vemos a descrição dos grupos terroristas Colina e VPR (que depois se fundiram) e as várias ações criminosas e os atentados terroristas de responsabilidade desses grupos. Já na pag. 416, este documento do CIE menciona que Dilma Rousseff era membro do Colina. Ora, é evidente que o uso de terrorismo pelo Colina o desqualifica como protagonista da “resistência democrática”. Resta mostrar então que os objetivos do Colina o colocam como um dos muitos grupos da luta armada que pretendiam converter o Brasil numa ditadura do proletariado. Isso é facilmente demonstrado pela análise do seguinte manifesto do Colina: “Concepção da Luta Revolucionária” de abril de 1968 da qual separamos os seguintes trechos [4]:

“A defesa da violência é um dos aspectos da luta ideológica que os marxistas-leninistas travam contra os reformistas. O reformismo representa um dos aspectos da política das classes dominantes, constituindo-se uma das armas de que se utiliza a burguesia para manter a luta dentro dos seus quadros ideológicos. A luta armada é a Única forma de se alijar do poder os representantes de uma classe social. […] O revolucionário é aquele que, conhecendo esta realidade concreta da luta de classes, procura impulsionar este processo a um grau superior. “

Vemos aqui a recusa do Colina em encarar o processo político como um meio válido, advogando a ruptura dos meios democráticos pela falsa e costumeira alegação de que ele está “a serviço das classes dominantes” [Sic].

Mais esclarecedor ainda é o seguinte trecho que revela os métodos defendidos pelo Colina:

” A guerra de guerrilhas é a Única forma de continuar a luta política de nosso povo sem retrocessos históricos, de maneira conseqEuumld+ente. Com os atuais resultados da luta de classes, é a Única forma (como vanguarda política) de manter vigente o programa da revolução e de organizar em torno dela a maioria da população É a Única forma de canalizar, como um impulso na construção do novo poder (o exército popular) , todo o potencial revolucionário contido no movimento de massas.”

O trecho anterior revela que a ação política do Colina se dá pelo meio violento da luta armada, logo, corrobora mais uma vez que não se constitui numa resistência democrática. Já a verborragia irracional do discurso revolucionário marxista-leninista deixa claro que o objetivo da luta contra o regime militar era mesmo de “comunizar” a nação, o que nada tinha de democrático.

Ora, uma vez que o documento do CIE aponta Dilma Roussef como membro do Colina fica implícito que ela aderiu aos objetivos e a ideologia desse grupo, o que então refuta as declarações de Dilma Rousseff de que fez parte da resistência democrática ao regime militar. Se ela estava totalmente ciente dos objetivos do grupo e das implicações que esta opção incorria, ou se participou ativamente das ações terroristas do grupo é algo que somente Dilma Roussef poderá responder, ou talvez a Wanda ou Stela.

[1] “Ato Institucional NÚmero Cinco”d+ http://pt.wikipedia.org/wiki/Ato_Institucional_Nmero_Cinco

[2] “Um Híbrido Fértil”d+ Jarbas Passarinho, pag. 333 (1996)d+

[3] “Orvil:Tentativas de Tomada de Poder”d+ Ten. Cel. Licio Maciel, Ten. José Conegundes do Nascimento (organizadores) (2002)d+

Ver também: “A Grande Mentira”, Agnaldo Del Nero Augusto (2002)d+

[4] “Imagens da revolução”d+ Daniel Aarão Reis (2006).

*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática da UFSC