Brasil deve reafirmar acordos internacionais se quiser manter protagonismo internacional na área ambiental, afirma coordenador da BPBES

Para manter o protagonismo nas discussões das questões relativas à biodiversidade, o Brasil precisa permanecer nos acordos internacionais e cumprir as metas assumidas. É o que afirma o coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Sistêmicos (BPBES) e membro do grupo de trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre o Código Florestal, Carlos Alfredo Joly, em entrevista concedida ao Jornal da Ciência.

E ratificar o protocolo de Nagoya seria um passo importantíssimo para que o País mantenha essa posição de liderança nos debates. O acordo estabelecido durante 10ª Conferência das Partes (COP-10), realizada em outubro de 2010, em Nagoya, no Japão, tem como objetivo garantir a repartição justa e equitativa de benefícios oriundos da utilização de recursos genéticos (genes e moléculas), contribuindo para o uso sustentável da biodiversidade. Também é estabelecida a remuneração das comunidades tradicionais envolvidas (indígenas, por exemplo). Em vigor desde 2014, o protocolo já foi ratificado por 113 países mais a União Europeia. O Brasil assinou o Protocolo em fevereiro de 2011, mas o Congresso não ratificou o documento até o momento.

Mais de 190 países discutiram os próximos passos para garantir a redução da taxa de perda de biodiversidade mundial durante a COP-14 da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), realizada em Sharm-El Sheikh, no Egito, entre os dias 13 e 29 de novembro.

Com a coordenação de Carlos Joly, a BPBES produziu um relatório com o 1º Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade E Serviços Sistêmicos. O documento oferece uma síntese do conhecimento disponível acerca da biodiversidade, dos serviços ecossistêmicos e bem-estar humano no Brasil, contribuindo para orientar o posicionamento da conservação e do uso sustentável da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos no modelo de desenvolvimento do país.

Nesta entrevista concedida ao Jornal da Ciência, Joly conta um pouco sobre os esforços para que a pauta da biodiversidade seja aproximada dos tomadores de decisão públicos e privados e as perspectivas para o tema no Brasil no próximo governo. Ele também comenta a COP-14 e a importância das discussões que nela aconteceram.

Jornal da Ciência – Como foi a preparação do sumário para tomadores de decisão do 1º Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade E Serviços Ecossistêmicos e como ele pode influenciar nas políticas federal, estaduais e municipais?

Carlos Alfredo Joly – O sumário foi preparado e escrito em linguagem não acadêmica e de fácil entendimento, exatamente visando aos tomadores de decisão, seja do setor público ou privado. Ele resume um relatório de mais de 400 páginas de uma forma clara e objetiva e vem com uma linguagem compreensível para toda a sociedade.

JC – Como afirma o sumário, a busca pela sustentabilidade e a preservação da biodiversidade são muito importantes para o desenvolvimento do País, entretanto, ainda há uma resistência de alguns setores com relação a essa discussão. Como aproximar o setor agropecuário da agenda da biodiversidade?

CAJ – Nós temos feito reuniões com o setor agropecuário e na maior parte, seus membros têm visões modernas, são de fácil conversa. Infelizmente, também existe uma frente de expansão agrícola que entende que cortar floresta e substituí-la por plantação de soja é o melhor uso do solo – e com estes, a conversa é um pouco mais difícil. O problema é que boa parte da frente parlamentar que diz defender esse setor tem essa visão extremamente retrógrada de que a biodiversidade só atrapalha as atividades agrícolas, esquecendo-se que, na verdade, a agricultura depende dessa biodiversidade.

JC – Como o senhor enxerga as perspectivas de políticas ambientais, mais especificamente no setor de biodiversidade, no próximo governo? De que forma podemos avaliar a eficácia das políticas já adotadas em prol do desenvolvimento sustentável?

CAJ – Em relação ao governo, tudo o que a gente pode falar é o que tem se ouvido na imprensa. Ainda não há clareza da linha que o governo vai seguir na área ambiental. As políticas públicas só funcionam quando existe uma compreensão pela sociedade da importância da conservação. Se nós formos pegar um exemplo o município de Brotas, no estado de São Paulo, há 35 anos, era um município que dependia da agropecuária de baixa produtividade, da plantação de cana para uma usina e da plantação de laranja. Era uma situação econômica que se deteriorava rapidamente. Num dado momento, o Conselho Municipal do Meio Ambiente/COMDEMA, a prefeitura em conjunto com a secretaria municipal do Meio Ambiente e algumas entidades civis da cidade entenderam que o Rio Jacaré-Pepira poderia ser um atrativo de turismo e investiram nessa visão. Realizaram a recuperação de matas ciliares, além da conservação dos recursos hídricos, das nascentes e hoje o município vive basicamente de atividades ligadas à utilização do rio, seja pra rafting, para pesca, para canoagem ou competição. Ou seja, em 30 anos mudou por completo o eixo de desenvolvimento. Hoje são atividades sustentáveis e de uma maneira geral a população tem um IDH muito maior e um nível de renda muito melhor. Quando você tem a compreensão simultânea da população e daqueles que estão no poder da importância da conservação e de como isso vai dar retorno, a gente pode ter êxito.

JC – Na última semana foi realizada a COP-14, da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB). Nesta conferência foi definido que cada nação irá enviar contribuições voluntárias para a biodiversidade antes de 2020. Como o senhor avalia essa conferência, a pouca repercussão que ela teve e a importância dessa definição?

CAJ – A questão das contribuições voluntárias ainda não foi definida, e essa é uma opção que ainda está em discussão. É o que se está planejando, já que em 2020 os países vão ter que demonstrar o que eles cumpriram das metas de Aichi definidas na COP 10, em Nagoya, no Japão. Todas as análises mostram claramente que pouquíssimos países conseguiram cumprir parcialmente algumas das 20 metas colocadas lá na COP de Nagoya, e nenhum país cumpriu integralmente as metas. Consequentemente, a gente precisa pensar após 2020, ou seja, após o balanço final, qual seria o próximo passo. A sugestão é que o próximo passo seria seguir o modelo utilizado na convenção dos acordos climáticos, em que os países apresentaram contribuições voluntárias. Talvez seja um modelo que possa ser adaptado para a biodiversidade. Isso foi discutido durante essa COP e não se bateu o martelo que será assim, mas há uma boa possibilidade de vir a ser, porque não conseguimos pensar em nenhum outro mecanismo ou alternativa que tenha de fato impacto para reduzir a taxa de perda de biodiversidade. Esta é uma alternativa positiva. Do ponto de vista do Brasil, melhor ainda seria que nós ratificássemos o protocolo de Nagoya e passássemos a fazer parte efetivamente desse protocolo que nos interessa muito. O Brasil é o país que tem a maior biodiversidade do mundo e só tem a lucrar em ratificar o protocolo. Existe uma visão retrógrada de alguns setores do governo e do congresso, então até agora o Brasil não ratificou e não há no momento nenhum movimento neste sentido, nem vejo perspectiva nesse novo governo que isso venha a acontecer, o que é lamentável.

Algumas dessas conferências são importantes porque elas são preparatórias para que na próxima COP de fato sejam tomadas grandes decisões. É o caso da COP 15, na China, em 2020, que é uma reunião onde decisões importantíssimas serão tomadas na área de biodiversidade. A convenção no Egito estruturou todo o caminho para que em 2020 as decisões possam ser tomadas. Mas do ponto de vista da imprensa, da notícia, ela não tem um impacto midiático, mas ela é importantíssima, senão a de 2020 não aconteceria. COPs como esta do Egito é onde acontecem as propostas, inicia-se a preparação e o amadurecimento de ideias para que em 2020 possam ser firmados os acordos que estabelecerão novos paradigmas.

JC – O que o Brasil pode propor, levando em consideração esse novo cenário político que começa em 2019?

CAJ – Existem muitas ferramentas de modelagem, mas seria necessário desenvolvermos estudos semelhantes aos feitos com relação às mudanças climáticas, em que foi pensado o quanto seria necessário restaurar de vegetação para que redução de CO2 tivesse de fato impactos no clima, por exemplo. Tudo isso precisa de estudos, precisa de modelagem, de elaboração de cenários, e eu acho que a gente tem essa capacidade de desenvolvimento, para poder chegar a propostas que sejam factíveis, de interesse do País e que contribuam de fato para a redução da perda de biodiversidade. Mas o governo brasileiro teria que começar a trabalhar nessas questões rapidamente.

JC – Que caminhos o Brasil pode percorrer para continuar com sua posição de protagonismo internacional nas questões das mudanças climáticas e de biodiversidade?

CAJ – Eu acho que o primeiro passo é que a gente permaneça nos acordos internacionais. Que a gente cumpra as metas assumidas, esse é o passo número um. Um país que se retira de um acordo grande e importante sinaliza para o mundo que ele não tem interesse no protagonismo naquela área. O passo zero é reafirmar os nossos compromissos internacionais e cumprir efetivamente as metas que assumimos, mesmo porque essas metas são do nosso interesse, são interesses de movimentos do Brasil. Ninguém impôs essas metas ao Brasil, elas foram decididas internamente e elas são de interesse para o desenvolvimento do nosso País. A segunda questão é, uma vez definido que nós somos partícipes desses acordos, como nós podemos mostrar para o mundo que somos capazes de cumprir e que somos capazes de transferir tecnologia de cumprimento dessas metas para outros países. Protagonismo também é mostrar que temos interesse de compartilhar o nosso conhecimento com outros países, que queremos contribuir para que países em desenvolvimento, em uma situação semelhante a nossa, possam compartilhar e trabalhar em conjunto. Aí eu acho que a gente consegue manter o protagonismo. Certamente, como eu já disse anteriormente, ratificar o protocolo de Nagoya na área de biodiversidade também seria importantíssimo para a gente manter essa posição de vanguarda e liderança.

Fonte:  Jornal da Ciência