Entidades da sociedade civil se unem para exigir diálogo do governo com a ciência

Manifesto forja uma aliança que serve de contrapeso ao governo; segundo o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, “o crime de responsabilidade já está caracterizado”

Um manifesto assinado por representantes de seis entidades da sociedade civil será encaminhado hoje aos presidentes dos três Poderes pedindo a manutenção do isolamento social como forma de se combater a pandemia do coronavírus. O documento, com o título “Pacto pela Vida e pelo Brasil”, enfatiza que o “coro dos lúcidos” seja ouvido e que a condução do tema seja guiada pela orientação dos órgãos técnicos e científicos do Brasil e do exterior.

Articuladores do documento, subscrito pela Comissão Arns, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa, Academia Brasileira de Ciências e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), enfatizam que o documento é uma plataforma para uma aliança, que pode servir de contrapeso ao governo federal, caso se entenda que a atuação do presidente Jair Bolsonaro agrava os efeitos da pandemia que já matou 553 pessoas e registrou 12.056 casos no país.

“É grave se o governo separar para si uma linha narrativa em que o caos gerado serve de argumento para ações lá na frente. O presidente caminharia a passos largos para inviabilizar a sua permanência no poder”, disse Felipe Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da OAB. Segundo Santa Cruz, “se o presidente seguir em uma estratégia sorrateira e dúbia começará a ficar consignado o crime de responsabilidade”.

Para o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que representa a Comissão Arns, “o crime de responsabilidade já está caracterizado e é nosso dever atuar de mãos dadas”. Tanto Dias quanto Santa Cruz deixaram claro que, no limite, as mesmas entidades que subscreveram o documento, ou pelo menos parte relevante delas, poderão se unir para representar contra o presidente da República em um processo que poderá resultar em um impeachment.

“O presidente está perdendo as condições de governar este país, o Brasil está moribundo”, afirmou Dias. “Nós estamos formando uma aliança muito séria pelo Brasil e pela democracia”.

Uma eventual demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a depender do modo como aconteça, poderá reforçar o distanciamento de Bolsonaro dos propósitos do do documento.

Santa Cruz lembrou que o presidente enviou um ofício ao Supremo Tribunal Federal (STF) garantindo que segue as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) no combate à pandemia. “O presidente tem o direito de substituir um ministro, mas se essa substituição se der no sentido contrário ao que foi oficiado ao Supremo estará estabelecida uma contradição entre o que o presidente afirma e a realidade dos fatos, o que será muito grave”, disse.

O texto do manifesto é voltado para “mulheres e homens de boa vontade”. Ressalta que o momento exige de “todos, especialmente de governantes e representantes do povo, o exercício de uma cidadania guiada pelos princípios da solidariedade e da dignidade humana, assentada no diálogo maduro”. “ O desafio é imenso: a humanidade está sendo colocada à prova. A vida humana está em risco”, frisa o texto.

De acordo com o manifesto, “o isolamento se impõe como único meio de desacelerar a transmissão do vírus e seu contágio, preservando a capacidade de ação dos sistemas de saúde e dando tempo para a implementação de políticas públicas de proteção social”.

“É hora de entrar em cena no Brasil o coro dos lúcidos, fazendo valer a opção por escolhas científicas, políticas e modelos sociais que coloquem o mundo e a nossa sociedade em um tempo, de fato, novo”, afirma o documento.

Os subscritores afirmam que o governo federal deve ser “o promotor desse diálogo, presidindo o processo de grandes e urgentes mudanças em harmonia com os poderes da República, ultrapassando a insensatez das provocações e dos personalismos”. Pede respeito aos princípios da Constituição de 1988 e cooperação com governadores e prefeitos.

“É fundamental que o Estado Brasileiro adote políticas claras para garantir a saúde do povo, bem como a saúde de uma economia que se volte para o desenvolvimento integral, preservando emprego, renda e trabalho”, registra o manifesto.

Valor Econômico