O dilema da volta às aulas

Não há consenso sobre como alunos devem voltar às escolas, mas ficar em casa pode ser pior

Por uma razão ainda desconhecida, as crianças são o grupo demográfico menos afetado pela Covid-19. Mas não pela pandemia. Quarentenas as forçaram a ficar longos períodos em casa, retardando o desenvolvimento emocional e o aprendizado. No auge, em março, as aulas presenciais estavam suspensas para 1,6 bilhão de alunos no planeta, ou 91% dos matriculados, segundo a Unesco.

Aulas remotas nem sempre funcionam, seja por deficiência tecnológica ou pedagógica. Mesmo quando tudo dá certo, necessariamente acarretam atrasos e dificuldades. E não cumprem a função mais importante, em especial para os alunos menores: educar para o convívio num ambiente social estável. No Brasil, escolas são um local essencial também para alimentação e saúde das crianças.

Há um consenso crescente entre os cientistas de que é possível os alunos voltarem às escolas, desde que haja medidas de precaução para lidar com os riscos de contágio pelo vírus – maiores não para crianças, mas para adolescentes, professores, funcionários e todos aqueles envolvidos no setor de ensino. A questão é como.

A Associação Americana de Pediatria (AAP) recomendou a retomada das aulas presenciais: “A importância do aprendizado pessoal está documentada e há evidências do impacto negativo nas crianças do fechamento. O tempo longe da escola e a interrupção dos serviços de apoio resultam em isolamento social, tornam difícil corrigir dificuldades no aprendizado, assim como identificar abuso físico e sexual de crianças e adolescentes, uso de drogas, depressão e tendências suicidas”.

No Reino Unido, mais de 1.500 pediatras assinaram em junho uma carta aberta manifestando preocupação com a ausência dos alunos das escolas. “Clinicamente, a maioria dos jovens foi poupada dos piores efeitos da Covid-19, mas o impacto social e na saúde será severo”, afirma o texto. Não é bom, nem para elas nem para os pais, que crianças fiquem tanto tempo longe da escola.

Em vários países onde o contágio arrefeceu, as aulas presenciais já foram retomadas. No Brasil, recomeçaram em cidades como Manaus e Duque de Caxias na semana passada. Rio de Janeiro e Fortaleza planejam a reabertura das escolas para agosto. No estado de São Paulo, a retomada foi anunciada para o início de setembro.

Não poderá ser, contudo, a volta às mesmas aulas a que estávamos acostumados antes da pandemia. A proteção dos alunos e, sobretudo, das equipes envolvidas na educação exige precauções que transformam o ensino. Ao mesmo tempo, os riscos podem ser mitigados, mas não eliminados. Paira o fantasma de que, a qualquer instante, novos focos de contágio acarretem outra suspensão.

O principal problema que cerca a retomada das aulas é a incerteza. Não existem estudos consolidados sobre os países onde ela ocorreu. Um dos poucos documentos a tratar do tema exaustivamente, publicado na semana passada pela Universidade de Washington, afirma que não há “consenso científico sobre o impacto de fechamentos e reaberturas escolares na transmissão comunitária do vírus Sars-CoV2”.

Diante dessa lacuna, países distintos têm experimentado saídas distintas. Uma medida frequente tem sido o revezamento, alternando aulas remotas e ensino presencial. Em alguns, máscaras são obrigatórias; noutros não. Uns implementaram distância de mais de dois metros entre alunos. Outros deram preferência a aulas ao ar livre ou com janelas abertas. Alguns fecharam cantinas e suspenderam brincadeiras coletivas no intervalo. Outros obrigam crianças a comer o lanche na própria sala. Uns medem a temperatura na entrada para impedir a entrada de quem tiver febre. Outros implantaram a testagem frequente de alunos, professores e funcionários.

Nem tudo é possível em todos os lugares. Nem tudo tem os mesmos resultados. As próprias escolas estão aprendendo. A revista científica Science publicou uma reportagem em que, analisando estratégias de reabertura em países tão diversos quanto África do Sul, Finlândia e Israel, diz ter encontrado “padrões encorajadores”. “Juntos, eles sugerem que uma combinação de manter os estudantes em pequenos grupos e exigir máscaras e algum distanciamento social ajuda a manter escolas e comunidades seguras”, afirma o texto.

Não é um equilíbrio fácil de atingir. Depois da retomada em Israel, o ginásio Rehavia, em Jerusalém, reabriu aulas com mais de 40 alunos, mas teve de voltar a suspendê-las depois que uma onda de calor levou todos a abandonarem as máscaras – e um surto infectou 153 alunos e 25 funcionários. Na Alemanha, onde as máscaras não são obrigatórias em sala de aula, houve aumento do contágio entre os estudantes, embora não na equipe pedagógica. Na Suécia, onde as escolas nem chegaram a fechar, elas se tornaram focos da doença.

Uma das maiores dúvidas é o que fazer quando alguém na escola é diagnosticado com Covid-19. Na Alemanha, há quarentena de duas semanas para todos os que mantiveram contato com o doente. Em Israel, toda a escola é obrigada a fechar as portas.

Nenhuma evidência científica é definitiva, mas é com base nelas que temos de agir. O caso das escolas talvez seja o melhor exemplo da principal dificuldade trazida pela pandemia: num mundo tomado pela desinformação, a ciência se tornou o único guia confiável para tomar decisões – mas está longe de fornecer as respostas seguras e definitivas que gostaríamos de ter.

Leia na íntegra: G1