Reforma administrativa: o servidor é o culpado?

“Afirmações genéricas atravancam o debate sobre gastos públicos e confundem a sociedade”, destaca especialista em artigo publicado no Poder 360

“Enquanto não fizermos um diagnóstico consistente sobre os problemas que afetam o desempenho da administração pública, continuaremos com um debate simplório e demagógico e, por consequência, com soluções equivocadas ou parciais, que não irão melhorar a prestação de serviços públicos à população.

Em 24 de julho de 2021, o jornal O Globo disse no editorial: “É urgente a aprovação de uma reforma administrativa para aperfeiçoar a gestão do setor público, tomado por uma barafunda de carreiras, cargos e benesses que transformou o Estado numa máquina de gerar desigualdade. Outro objetivo da reforma é, naturalmente, garantir a melhora da saúde fiscal. O perigo, quando se trata de tema tão complexo e cheio de meandros, mora nos detalhes”.

Essas afirmações sintetizam bem o diagnóstico hegemônico no debate sobre a reforma administrativa: o servidor é o culpado pelo Estado ser uma “máquina de gerar desigualdade”, e se mudarmos as regras das carreiras, os serviços públicos irão melhorar e o gasto será controlado.

Essa é uma afirmação equivocada, mas, infelizmente, encontra eco na população por conta do nosso costume de apontar culpados, fazer debates superficiais e não procurar uma solução consistente para o problema. Esse tipo de diagnóstico nutre, também, o discurso político demagógico ou mal informado que apresenta soluções simples, como alterar a forma de contratação, mudar os critérios de evolução na carreira e eliminar os benefícios e vantagens dos servidores, para um problema complexo, que é melhorar a prestação dos serviços públicos.

É a utilização de problemas reais –“barafunda de carreiras, cargos e benesses”–para chegar a conclusões que confundem a opinião pública. Passa-se a imagem falsa de que tudo vai melhorar se reorganizarmos as carreiras dos servidores públicos, ou seja, haverá uma melhoria na prestação dos serviços públicos e avançaremos no combate à desigualdade e no controle dos gastos.

Quem conhece a máquina pública sabe que isso não vai resolver as questões principais. Ao longo do tempo já fizemos várias alterações nas carreiras e continuamos com o mesmo problema de desempenho do setor público. Podemos conseguir, com essa proposta em discussão no Congresso Nacional, oxalá, reduzir privilégios inaceitáveis dos servidores públicos. Mas para isso é preciso incluir todos os Poderes e seus integrantes.

Mesmo a discussão sobre o gasto público precisa ser mais bem qualificada, associando o gasto com indicadores de desempenho e com as prioridades do país. O SUS (Sistema Único de Saúde), por exemplo, tem um deficit de financiamento público em comparações internacionais com sistemas similares. Todavia, temos áreas que poderiam entregar mais resultados com o atual nível de financiamento. Portanto, não podemos generalizar o debate sobre o excesso de gasto público, sob pena de prejudicarmos o financiamento de áreas importantes, como saúde, educação e segurança.

Avançar na melhoria da prestação de serviços públicos demanda, inicialmente, um melhor entendimento sobre o funcionamento da administração pública, a fim de poder identificar o que está funcionando bem e o que precisa ser melhorado. O debate precisa ser mais aprofundado. Afirmações genéricas como o “serviço público não funciona” ou “gasta muito sem retorno para a sociedade” expressam o não entendimento da realidade da gestão pública e confundem a sociedade.

Se esse diagnóstico simplório estivesse correto, como explicaríamos a avaliação positiva que a população está fazendo do SUS no enfrentamento dessa pandemia do covid-19? O setor público tem muitos problemas, mas entrega à sociedade diversos serviços, inclusive no combate à desigualdade. Reconhecer isso é o ponto inicial do debate. (…)

Leia na íntegra opinião do especialista autor de livros de gestão pública Ricardo de Oliveira: Poder 360