Uma batalha contra a educação

Editorial do Estadão destaca que Bolsonaro barrou a vontade do Legislativo, deixando professores e alunos sem internet

Notada desde o início do mandato, a omissão do governo de Jair Bolsonaro na área educativa ficou em especial evidência durante a pandemia. Em obediência ao negacionismo do presidente da República, o Ministério da Educação não assumiu o papel que lhe cabia de coordenar com Estados e municípios as ações para minimizar o impacto da covid-19 sobre o aprendizado dos alunos.

Não bastasse sua omissão, o governo federal vem atuando de forma reiterada contra a educação em relação à verba para o acesso à internet de professores e alunos da rede pública. Poucas vezes viu-se tamanho empenho de um governante em dificultar os meios para a educação de crianças e adolescentes como o que se tem observado na batalha de Jair Bolsonaro contra a Lei 14.172/2021, que dispõe sobre a assistência da União aos Estados para a garantia de acesso à internet, com fins educacionais, pelos alunos e professores da educação básica pública.

Em fevereiro, o Congresso aprovou o Projeto de Lei (PL) 3.477/2020, destinando R$ 3,5 bilhões aos Estados, a serem aplicados em “ações para a garantia do acesso à internet, com fins educacionais, aos alunos e aos professores da rede pública de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, em virtude da calamidade pública decorrente da covid-19”.

Em seguida, o presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o PL 3.477/2020. Na mensagem de veto, o Executivo federal alegou que o projeto de lei destinando R$ 3,5 bilhões para ações de acesso à internet na rede pública de ensino não apresentou “estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro”. 

O Congresso derrubou o veto presidencial. Na ocasião, foi lembrado que o PL 3.477/2020 – depois, Lei 14.172/2021 – previu as fontes de recursos para o programa: o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e o saldo correspondente a metas não cumpridas dos planos gerais de universalização do serviço telefônico fixo. Na Câmara, foram 419 votos pela derrubada do veto e 14 pela manutenção. No Senado, foram 69 votos favoráveis à derrubada e nenhum contrário. 

Ao assegurar receitas para um tema fundamental nos tempos atuais – é essencial que alunos e professores disponham de acesso à internet –, a Lei 14.172/2021 fez cumprir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei 9.394/1996). Ao tratar da organização da educação nacional, a LDBEN determina que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino”. O regime de colaboração é, portanto, uma exigência legal. 

A Lei 9.394/1996 também dispõe que uma das atribuições da União é “prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva”. 

Não obstante, o governo federal questionou no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade da Lei 14.172/2021, requerendo, em caráter liminar, a sua suspensão. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, não suspendeu a lei, apenas estendeu por 25 dias o prazo para a remessa dos R$ 3,5 bilhões aos Estados – originalmente, o prazo era de 30 dias após a publicação da lei. 

Insatisfeito com a decisão liminar do presidente do Supremo, o governo federal editou, no dia 4 de agosto, a Medida Provisória (MP) 1.060/2021, excluindo qualquer prazo para que a União faça a remessa da verba de R$ 3,5 bilhões aos Estados. Na redação dada pela medida provisória, caberá ao Poder Executivo federal determinar a data e a forma do repasse de recursos. 

Eis uma história que retrata não apenas a batalha de Jair Bolsonaro contra a educação, mas como o governo federal se relaciona com o Congresso. Derrubado o veto à Lei 14.172/2021 e sem ter a pretendida liminar do Supremo, o presidente Bolsonaro valeu-se de uma MP para barrar a vontade do Legislativo, deixando professores e alunos sem internet.

Fonte: Estadão