Pesquisadores da UFSC monitoram evolução e circulação de variantes de coronavírus

O estudo mostra que 23 diferentes variantes circularam por Santa Catarina ao longo do primeiro ano da pandemia

O surgimento, as mutações e a disseminação de variantes de covid-19 pelo estado estão sendo acompanhados de perto por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Iniciado em 2020, o projeto de sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2, coordenado pelo professor Glauber Wagner, do Laboratório de Bioinformática do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (MIP), está perto de finalizar sua segunda fase. Nesta etapa, já foram analisadas 1.861 amostras, de 157 municípios catarinenses, com cinco variantes identificadas. Outras 539 amostras devem ser analisadas até o fim de abril – totalizando 2.400 genomas sequenciados em cerca de seis meses. Os dados estão disponíveis no site genomacovidsc.ufsc.br.

O trabalho é uma parceria entre diversos setores e laboratórios da UFSC, o Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen/SC), a Superintendência de Vigilância em Saúde (SUV/SC), o Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde de Santa Catarina (CIEVS/SC) e a empresa BiomeHub. O financiamento é da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) e da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina.

Primeira e segunda ondas

Na primeira etapa do projeto, foram sequenciadas 203 amostras coletadas de março de 2020 a abril de 2021. Em um artigo publicado no último domingo, dia 27, na revista científica Viruses, os pesquisadores apresentam o resultado da análise dessas sequências e de outras 527 coletadas no mesmo período e disponibilizadas em uma base de dados pública (Gisaid). O estudo mostra que 23 diferentes variantes circularam por Santa Catarina ao longo do primeiro ano da pandemia, um perfil que, segundo Glauber, foi muito parecido com o que se observou pelo Brasil.

Um aspecto, contudo, chamou a atenção dos cientistas: a distribuição geográfica das variantes ao longo da segunda onda. Entre janeiro e março de 2021, duas sublinhagens da variante Gama dominaram Santa Catarina. A linhagem original foi a predominante em quase todas as regiões. A exceção foi o Oeste do estado, por onde se espalhou principalmente a sublinhagem P.1-like-II.

“Isso apontou para nós um fato interessante da grande circulação dessa subvariante naquela região naquele período. Neste mesmo período, a região Oeste apresentou os maiores índices de óbitos por caso (CFR) em Santa Catarina. Porém não podemos afirmar que esta variante exclusivamente foi a causadora destes índices elevados. Então, não podemos afirmar que este foi o único motivo para esse aumento de óbitos, mas é um fato interessante que a variante tenha circulado mais predominantemente naquela região naquele período. Depois essa variante acabou reduzindo sua frequência, e aí a variante VOC Gama (P.1) tornou-se predominante no estado todo”, comenta Glauber.

Chegada da Ômicron

Em outubro do ano passado, o projeto foi prorrogado, com o objetivo inicial de sequenciar o genoma de 2.400 amostras até julho de 2022. A disseminação da variante Ômicron, contudo, mudou o cenário. “Em função da Ômicron, tivemos que aumentar nosso sequenciamento semanal, e esse aumento semanal acabou gerando uma aceleração na geração de dados do projeto: atingiremos este quantitativo de amostras até o final de abril”, afirma Glauber. Em cerca de quatro meses, já foram sequenciadas 1.861 amostras – nove vezes mais do que foi sequenciado em todo o primeiro ano do projeto. “É um trabalho bastante árduo que a gente está executando agora, mas gratificante”, enfatiza o professor.

Os genomas sequenciados nessa segunda etapa trazem uma série de novas informações relacionadas à evolução da pandemia. Entre o final de outubro e início de novembro, a variante Gama, que dominou a segunda onda, passou a não ser mais observada nas amostragens, sendo substituída pela Delta.

Na primeira quinzena de dezembro, o Estado detectou o primeiro caso de Ômicron em um paciente que havia estado na África do Sul. No entanto, o trabalho de sequenciamento de genomas, realizado a partir de amostras aleatórias, revelou posteriormente que a variante já havia chegado em Santa Catarina pelo menos uma semana antes, no início de dezembro.

A alta transmissibilidade da Ômicron ficou evidente para os pesquisadores. Enquanto na segunda semana de dezembro ela representava menos de 4% das amostras sequenciadas, na última semana do ano esse índice chegou a 80%. “Em 15 dias, a Ômicron dominou completamente o cenário em Santa Catarina. Ela inverteu completamente o cenário das variantes, reduzindo drasticamente os casos da Delta”, salienta Glauber. Na segunda semana de janeiro, já representava 99% das amostras e, duas semanas depois, chegou a 100%. No final de janeiro e início de fevereiro, foram detectados, ainda, quatro casos da BA.2, uma sublinhagem da Ômicron.

“Nosso estudo permitiu acompanhar em tempo real essa mudança drástica de comportamento da pandemia, uma variante surgindo, outra sendo suprimida completamente. A Gama primeiro, em grande proporção, depois, vem a Delta ao longo do ano. Depois some a Delta, vem a Ômicron, e agora já temos a BA.2 presente. A gente vai ter que acompanhar as próximas semanas para ver o comportamento dessa variante, em especial pós-período de Carnaval”, relata o pesquisador.

Vale ressaltar que saber quais variantes e genótipos virais estão circulando e acompanhar novas mutações é fundamental para a gestão da pandemia e a implementação de políticas públicas de saúde. “Monitorar as variantes que vão surgindo, verificar onde e por que elas estão surgindo e quais são os fatores epidemiológicos que fazem com que ela, por exemplo, aumente o número de casos em determinado momento é extremamente importante para você tomar uma decisão. (…) Essa análise do comportamento, do perfil das variantes ao longo do tempo, pode nos indicar políticas e ações de saúde para o controle da pandemia”, explica Glauber.

Como funciona

Todas as amostras usadas no estudo são provenientes do banco do Lacen/SC e coletadas por meio de testes do tipo RT-PCR realizados nos diversos municípios catarinenses. A seleção é feita de forma aleatória, mas seguindo critérios epidemiológicos da Secretaria de Saúde, que se baseia nos indicadores de cada regional para garantir que a amostragem seja representativa do estado. Em média, 96 amostras são sequenciadas por semana.

Do Lacen, elas são levadas para a UFSC, onde é feito todo o processo de extração do material genético e preparação das amostras, que são, então, encaminhadas para a empresa parceira BiomeHub, para o sequenciamento dos genomas. Os dados brutos gerados voltam para a UFSC, e os pesquisadores os analisam e comparam com bancos de dados públicos para determinação das variantes e mutações. “Com estes dados, faremos as análises epidemiológicas junto com a equipe da Vigilância Epidemiológica do Estado e pesquisadores de Saúde Pública da UFSC. Pretendemos, a partir deste momento, ter uma ideia melhor sobre o comportamento das variantes em relação aos indivíduos, faixa etária, comorbidades e dados vacinais”, conta Glauber.

Os dados também são depositados em bancos públicos, além de abastecerem o site do projeto. O intervalo entre a realização dos testes de covid-19 e a publicação dos resultados é de cerca de três semanas. O prazo inclui os cálculos necessários para a seleção das amostras e os processos de separação, preparação e sequenciamento.

Parte da equipe envolvida no estudo. Além do Laboratório de Bioinformática, projeto envolve pesquisadores de diversos setores da Universidade e de outras instituições.

Rede de Vigilância Genômica e novos projetos

Entre os desdobramentos do projeto, destaca-se a implementação da Rede de Vigilância Genômica do vírus SARS-CoV-2 no Estado de Santa Catarina, instituída pela Portaria SES nº 1.173, de 22 de outubro de 2021. O documento determina que a ação tem a finalidade de “monitorar a diversidade e evolução viral do SARS-CoV-2, permitindo a melhor compreensão sobre a origem de surtos e epidemias e seus padrões de transmissão, a fim de estimar a ocorrência de eventos futuros, contribuindo para o aprimoramento da capacidade de detecção, monitoramento e resposta à emergência em saúde pública do SARS-Cov-2 e para a tomada de decisão mais eficiente no território catarinense”.

Originada a partir de discussões no âmbito do Observatório Covid-19 de Santa Catarina, a rede, até o momento, reúne a UFSC, representada pelos laboratórios de Bioinformática, de Biologia Molecular, Microbiologia e Sorologia (LBMMS), de Protozoologia e de Virologia Aplicada (LVA), pelo Núcleo de Bioinformática e Biologia Computacional (NuBioinfo) e pelo Departamento de Saúde Pública; a Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, por meio da Superintendência de Vigilância em Saúde, da Diretoria de Vigilância Epidemiológica e do Laboratório Central do Estado de Santa Catarina (Lacen); a empresa BiomeHub; e o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).

A ideia, segundo Glauber, é ampliar as parcerias e reunir “outras instituições que tiverem interesse em contribuir com a rede, para otimizarmos a disponibilidade de dados genômicos do SARS-CoV-2 de Santa Catarina, tentarmos congregar todos os dados em uma única plataforma, para termos um entendimento mais macro da pandemia do que propriamente projetos isolados em cada uma das instituições no nível estadual”.

Paralelamente, o grupo de pesquisadores passou a integrar outra rede de sequenciamento, parte de um projeto nacional coordenado pela professora da Universidade de São Paulo (USP) Ester Sabino, com financiamento da Magalu. O estudo contempla instituições de todos os estados brasileiros. Por meio desse projeto, o Laboratório de Bioinformática da UFSC recebeu por doação um equipamento para sequenciamento de genomas (Nanopore), bem como todos os insumos para processar cerca de cem amostras por mês (de novembro de 2021 a abril de 2022), todas de moradores de Florianópolis, uma vez que a pesquisa se restringe às capitais do país. As amostras serão coletadas e processadas seguindo a mesma metodologia usada até então, e os dados também serão incorporados aos da Rede de Vigilância Genômica.

Fonte: Notícias UFSC