Marcos civilizatórios

Por Carlos Alberto Marques*

Faço aqui uma análise sobre os cortes orçamentários às universidades federais sob outro prisma. Claro, podemos e devemos falar em cortes setoriais de verbas públicas ou mesmo sobre corrupção – ainda que seja necessário perguntar que país é esse onde se fala de Petrolão tendo um Orçamento Secreto que é muito maior? Mas vejo que é mais importante indagarmos sobre que modelo de sociedade queremos para nós e nossos filhos. Coloco tal questão pois considero que é diante de tal encruzilhada que nos encontramos. 

Que país é esse onde as universidades públicas estão sendo, paulatina, mas crescentemente, destruídas, sendo elas a principal fonte de produção da pesquisa científica? Desde 2016, se aplica um receituário de sucessivos cortes orçamentários anuais: 45% nas verbas de custeio, 50% nas de capital. Se compararmos a 2014, a redução é de 94% ao longo dos últimos oito anos. E isso foi operado igualmente na Ciência, setor de onde só esse ano o governo federal retirou R$ 1.2 bilhão do FNDCT. Não podemos então falar em algo ocasional ou conjuntural, mas de um projeto, cujo mecanismo principal é alterar a forma de financiamento das universidades federais e aumentar o controle sobre o que aqui se diz, se faz e de quem dela deve usufruir e frequentar. Ou seja, é um projeto que envolve a perda de nossa autonomia e a perda da gratuidade de ensino, total ou parcial. 

Que sociedade é essa na qual ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles, que desmantelou os órgãos de controle das florestas, tem mais voto que Marina Silva? Que Brasil é esse onde um ex-Ministro da Saúde, o Mandetta, que quis implantar um protocolo sobre a Covid alinhado com a OMS, não se elege e, ao contrário o General Pazzuelo, que deu ordem para cancelar a compra de vacinas, consegue se eleger?

Parece-me que estamos vivendo em uma sociedade onde um extrato dela, a elite política e econômica, quer mantê-la desigual e estratificada. Onde defendem que homem vale mais que mulher, branco mais que o negro; onde hetero vale mais que gay, magro mais que gordo, europeu ou americano vale mais que um brasileiro ou um africano; rico mais que pobre. Onde um ministro da economia fala que se o dólar está muito baixo a empregada doméstica vai querer ir para a Disney. Onde a Ministra da Mulher diz que meninos vestem azul e mulheres rosa. E, onde um ministro da educação afirma que Universidade não é para todos.

Que país é esse quando uma religião, que vem se tornando hegemônica, se julga no direito de defender que se destrua ou incendei terreiros de matriz africana? Temos um país estruturalmente racista, que ainda discute a legitimidade de cota racial. É por isso que nós devemos falar de modelo de sociedade.

Não dá para admitir que um ambientalista e um jornalista sejam mortos na floresta e nosso presidente diga “a culpa é deles, o que eles estavam fazendo lá”? Não é normal um sujeito invadir uma festa de aniversário e matar o aniversariante na frente da família. Não é admissível que alguém saia na rua como uma suástica ou faça discurso nazista.

Mais do que pessoas ou candidatos, estamos falando de uma nefasta cultura e mentalidade que se difunde, assustadora e inconsequentemente, no meio social. Uma cultura que dá apoio ou exige medidas de exclusão dos diferentes, das minorias e inclusive considera natural cortar verbas das universidades públicas – por vezes acusada de ser um lugar de balburdia e perversão. E, por isso, seja permitido que um deputado gaúcho defenda que alunos da universidade federais mereçam ser queimados vivos. 

Portanto, estamos falando sobre marcos civilizatórios que queremos para nós e nossos filhos. Individualmente precisamos nos posicionar sobre isso e temos pouco tempo. Mas, e a Universidade como instituição da sociedade, o que tem a dizer? Sabemos que cresce a tentação autoritária de exercer um controle sobre o quê aqui se diz, se produz e de quem tem direito de aqui estar. Por enquanto, ainda temos autonomia e liberdade para expressar que sociedade temos diante de nós e que modelo de sociedade almejamos, que seja mais justa, menos desigual e mais solidária. 

Fica meu apelo para que essa reflexão ocorra. Hoje é um bom dia, depois pode ser tarde demais e não tenhamos mais condições de fazê-la. Reitor, precisamos de sua liderança para enfrentar esses problemas.

Muito obrigado.

Presidente da Apufsc e professor do MEN/CED
Fala realizada na sessão aberta do Conselho Universitário da UFSC, em 21/10/2022, para discutir os cortes de verbas. Texto inspirado em preocupações do Pastor Ed René, da Igreja Batista.