A UFSC e a democracia: Inventor da urna eletrônica foi aluno da universidade e fala da importância da inovação

Carlos Prudêncio realizou a primeira eleição eletrônica do Brasil em 1988, em Brusque. Para ele, as urnas são seguras e pensar em voto impresso é um retrocesso

Antes de integrar o quadro de juízes de Direito de Santa Catarina e dar início às inovações do sistema eleitoral, Carlos Prudêncio construiu uma trajetória de conhecimento. Filho do meio de mais seis irmãos, o tubaronense saiu do Sul do estado para cursar Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. O desembargador aposentado lembra o prestígio que era estar na única universidade pública de Santa Catarina, na qual ingressou em 1964.

Na época, a UFSC contava com apenas oito cursos de graduação, sendo o de Direito o mais antigo. Prudêncio recorda que na Federal desfrutou da possibilidade de aprender com professores que atuavam como desembargadores, advogados e promotores, e que eram considerados “os luminares” do período. Além do encontro com referências no Direito em Santa Catarina, o inventor da urna eletrônica afirma que o contato com estudantes de diferentes localidades foi essencial: “Foram cinco anos de muita riqueza cultural e ao mesmo tempo acadêmica”.

Para ele, a universidade, tanto na década de 1960 quanto hoje, é indispensável por conta desse intercâmbio de culturas. “É nessa interação que você vai procurar se aperfeiçoar como pessoa, como futuro profissional na sua área, na convivência, relacionamento humano, relacionamento com colegas e entre aluno e professor.” Segundo Prudêncio, todos esses fatores contribuem para que o indivíduo construa uma base de conhecimento, e ter tido essa base na UFSC é um dos motivos de satisfação para ele. “Minha formação acadêmica é 100% da Federal, da qual eu tenho muito orgulho”.

O orgulho e a confiança da família de Prudêncio também foram essenciais para que o jovem continuasse a formação logo depois de graduado, em 1969. “Da faculdade eu estaria preparado para passar [no concurso para juiz], mas se tu tens uma oportunidade, tens que agarrar”, defende ao mencionar que, incentivado pelo pai, depois da UFSC seguiu para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde fez curso de magistratura e pós-graduação em Administração de Empresas.

No dia em que Prudêncio se formou, seu pai mostrou-lhe uma publicação do jornal Correio do Povo que divulgava um curso preparatório para vaga de juiz (Foto: Arquivo Pessoal)

Foi durante a breve estadia na capital gaúcha que o ex-aluno da UFSC, que em meses se tornaria juiz, aprofundou os conhecimentos na questão eleitoral brasileira, já que era na cidade que estavam os únicos estudiosos do tema no país, como recorda. “Você passa a estudar com profundidade o assunto, que vai te despertar o interesse no futuro. Para o futuro que era, na época, a não conformação com o atraso da apuração dos votos”.

A criação da urna eletrônica

Desde que assumiu como juiz de Direito, no final de 1969, Carlos Prudêncio foi fazendo pequenas modificações no sistema de votação das cidades em que era escalado para atuar como juiz eleitoral. “Obedecendo a lei, mas com métodos diferentes, até inovadores”, ele destaca que sempre teve muita ousadia em suas propostas. A motivação vinha da curiosidade nos detalhes e da vontade em aplicar os conhecimentos adquiridos durante a formação acadêmica.

Prudêncio conta que, na época, havia boatos de fraude eleitoral, já que as votações aconteciam por meio de cédulas de papel. Apesar de nunca ter presenciado, propunha inovações de modo a garantir mais credibilidade para o sistema e porque acreditava ser parte do trabalho. “Porque quando tu és um estudioso da prática eleitoral, tende a querer evoluir para conquistar mais credibilidade para a Justiça Eleitoral, como é a obrigação de cada um de nós”.

Com cuidado redobrado, Prudêncio se destacou na carreira e assumiu novos postos de trabalho por merecimento. Até chegar no invento da urna eletrônica foram algumas décadas. Na eleição de 1969 em São Francisco do Sul, selecionou, a partir do currículo, as pessoas que trabalhariam na apuração dos votos. Em 1980, na cidade de Capinzal, aumentou o número de apuradores e colocou em prática a contagem contínua das cédulas de papel.

O início da informatização veio em 1982, quando o juiz eleitoral decidiu utilizar um programa de somatória de computador, emprestado por um jornalista, para contabilizar e divulgar em tempo real o resultado dos boletins de urnas. Com a confiança necessária, fruto das implementações anteriores bem sucedidas, ele conseguiu, em 1988, testar a urna eletrônica em uma seção. No ano seguinte as urnas foram instaladas em todos os locais de votação de Brusque e os olhares do Brasil se voltaram para a cidade catarinense, que realizava a primeira eleição com voto eletrônico do mundo.

As eleições de hoje, em todo o país, carregam muito do projeto inicial de Prudêncio, como a emissão da zerésima pela urna, o título de eleitor eletrônico e a biometria. Apesar disso, para Prudêncio, que presidiu votações durante 50 anos, muitas das suas ideias ainda não foram aplicadas, como a abolição do teclado físico da urna pelo touch screen e a integração do sistema, possibilitando a qualquer cidadão votar, independentemente de sua cidade de origem.

Mesmo aposentado, Prudêncio diz se colocar à disposição da sociedade para ajudar em novas inovações do equipamento. Ressalta ainda que as mudanças são sempre necessárias quando se lida com tecnologia, e não têm relação com uma possível falta de segurança das urnas. Sendo assim, ele enfatiza que “enquanto tiver um único brasileiro que duvide do voto eletrônico, cabe ao poder público demonstrar o contrário, desde que o denunciante prove a controvérsia”. Além disso, é assertivo ao se posicionar contra o voto impresso.

“Eu sou contra o voto de papel. Eu não posso retroceder dentro de um invento meu”.

O desembargador aposentado Carlos Prudêncio e um dos computadores usados nas experiências de informatização do voto, nos anos 1980 (Foto: Agência Alesc)

Voto eletrônico na UFSC

Desde 1982, a UFSC realiza eleições para a Reitoria. Com o berço da urna eletrônica no estado, em 1991 a instituição deu o primeiro passo para a informatização do processo eleitoral. Na ocasião, quando o professor Antônio Diomário de Queiroz foi eleito, o voto ainda era de papel, mas a novidade era na contabilização.

Luiz Carlos Pinheiro Filho, secretário de relações internacionais da Sinter, que atuou como presidente da Comissão Eleitoral na época, recorda que a ideia de implementar a somatória informatizada dos votos partiu do representante técnico dos servidores, Antônio Lapa Raulino. O sistema utilizado foi o mesmo criado por Prudêncio para as eleições de 1982. A urna eletrônica, porém, só foi adotada pela UFSC no final da década, após a aprovação do Congresso Nacional.

Karol Bernardi
Imprensa Apufsc