Lula cá

*Por Fábio Lopes da Silva

Um dia destes, no grupo que dirigentes da UFSC mantêm no WhatsApp, o reitor postou uma selfie ao lado do presidente Lula. Estava visivelmente orgulhoso de seu feito. Foi imediatamente aplaudido pela maioria dos diretores de unidade. Fui o único a dizer que aquela era uma foto completamente inapropriada.

Não me entendam mal: eu mesmo votei – um pouco a contragosto, é verdade –  em Lula e, como qualquer pessoa psiquiatricamente sã, sou capaz de compreender que seu governo será infinitamente mais amigável com a universidade do que o anterior. O problema é uma coisinha adorável chamada autonomia universitária. Um reitor deve preservar a mais sagrada distância dos ocupantes eventuais do poder. Está a serviço dos interesses e valores do Estado brasileiro, não de governos. Sacrificar a autonomia universitária é um gesto que pode parecer insípido em tempos de normalidade mas custa muito caro em momentos tormentosos como os que estamos experimentando.

Mas há um problema adicional na foto do reitor e na recepção calorosa que ela recebeu: tudo isso traduz a infantil confiança que a maior parte dos membros da instituição – a começar por suas lideranças – emprestam às capacidades de Lula. Ora, o presidente tem muitos talentos e virtudes, mas também graves defeitos. Em suma, não é nenhum gênio, longe disso. De resto, em grande medida, foi essa confiança meio aparvalhada em Lula que nos levou à ruína no primeiro ciclo petista. Cansados da jornada de embates contra os ataques desferidos contra a Universidade por FHC, aproveitamos a trégua oferecida por Lula para nos entregar a projetos e interesses pessoais, descurando da vida política, pública e sindical na instituição. Vivemos aquela primavera precária  – assentada politicamente sobre o PMDB e economicamente sobre o surto de alta internacional das commodities – como se ela fosse durar para sempre. Quando o inverno chegou – e ele sempre chega algum dia –, estávamos completamente despreparados para enfrentá-lo. Aos que falam sobre o sucateamento da Universidade, lembro sempre que esse processo começou pelo sucateamento – por nós mesmos perpetrado – de nosso sindicato. Toda uma cultura política e toda uma gramática de respostas às crises – que, bem ou mal, conquistamos aqui na UFSC ao longo de anos de luta contra a ditadura e seus sucedâneos – desapareceu sem deixar vestígios. Hoje na UFSC ninguém parece se dar conta de que há não mais do que de vinte anos docentes foram capazes de greves de cem dias, greves com corte de salário, greves de fome.

Temo que uma nova onda de irresponsabilidade e descompromisso político esteja se formando na UFSC. Só que, para deixar as coisas ainda piores, ela vai incidir não sobre o ambiente minimamente vibrante que tínhamos na virada do século mas sobre um terreno em que a apatia, o desinteresse e a leviandade já estão dando as cartas.

Os primeiros sinais da formação dessa onda já podem ser vistos na pauta prioritária da atual reitoria: teletrabalho e flexibilização da jornada. Historiadores do futuro terão dificuldade em explicar como essa discussão dominou a cena no momento mesmo que a instituição afunda sob o peso de enormes problemas acadêmicos e de infraestrutura.

Não tenho dúvida: a Universidade Federal de Santa Catarina vive o período mais crítico de suas  seis décadas de história. Os efeitos deletérios da pandemia somaram-se a quatro anos de políticas federais radicalmente contrárias aos interesses e valores que animam a nossa instituição.

Mas nem tudo que estamos testemunhando – a começar pela impressionante deterioração do patrimônio físico da UFSC – deve-se apenas à crise política brasileira ou aos terríveis acontecimentos que assolaram o mundo a partir de 2019. 

O longo período em que os campi estiveram fechados a atividades presenciais poderia ter sido utilizado para uma grande reforma das instalações. Contudo, o que vimos foi o oposto disso: nenhuma obra importante foi realizada, nenhum equipamento essencial conheceu manutenção. O que encontramos depois de quase dois anos de isolamento social foram prédios sem pintura, uma infinidade de aparelhos de ar condicionado quebrados, computadores inutilizáveis, encanamentos e sistemas elétricos em frangalhos, etc.

Pior: boa parte dos cursos de graduação e pós-graduação viram a evasão crescer, ao passo que o número de entradas de novos discentes despenca. Há casos de licenciaturas que não registraram uma única matrícula de ingressante neste semestre. Há casos de programas de pós-graduação absolutamente consolidados academicamente cuja quantidade de novos alunos não chega à metade do número de orientadores disponíveis.  Não há como poupar palavras: aproximamo-nos a  passos largos do total colapso administrativo e institucional. 

O mais grave é que, por parte da reitoria, não há proposta alguma de superação dessas dificuldades a não ser carregar no celular, como se fosse um retrato de Santo Expedito, selfies com Lula. Precisamos, para ontem, de um plano de gestão de crise, com uma pauta de prioridades, uma lista de ações e um cronograma muito bem desenhados.

*Fábio Lopes da Silva é professor do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas (LLV) e atualmente dirige o Centro de Comunicação e Expressão (CCE)