Pesquisadora e professora da UFSC criticam lei que autoriza internação compulsória de pessoas em situação de rua em Florianópolis

Profissionais classificam a proposta, já sancionada, como excludente, higienista e desumana

A Câmara Municipal de Florianópolis aprovou o Projeto de Lei (PL) 19.044/2024 que autoriza a internação forçada de pessoas em situação de rua com transtornos mentais ou usuárias de drogas. De autoria do Poder Executivo, a proposta já foi sancionada pelo prefeito Topázio Neto. No entanto, entre especialistas, o projeto é questionado.

Em entrevista ao NSC Total, Vera Regina Pereira de Andrade, professora titular de Criminologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirmou que a internação involuntária de usuários de drogas e de pessoas em situação de rua é uma medida inconstitucional, já que significa a privação de liberdade sem o devido processo legal. Ela defende que as ações previstas no projeto são respostas “profundamente desumanas e simbólicas” ao problema enfrentado por esta população, e que o projeto é “higienista” e “excludente”.

Andrade pontua que, mesmo ao usuário flagrado fazendo o consumo de drogas e condenado pelo delito, por lei, é proibida a internação involuntária, por isso, define a proposta como “inconcebível”.

Em entrevista à TV UFSC, Larissa de Abreu Queiroz, doutora em Saúde Coletiva pela UFSC e membro do Grupo de Pesquisa Dependência Química, Álcool e outras drogas da universidade, concorda com Andrade. Para ela, a lei “não oferece resultados a longo prazo”, e a proposta da Prefeitura de Florianópolis está na contramão da saúde pública. “A gente tem cada vez menos capacitação para profissionais que atendem essas pessoas e se busca resolver com o paciente, em vez de qualificar o serviço. A ordem parece que está invertida”, resumiu.

Queiroz sugere ainda que estratégias de redução de danos sejam adoradas: “elas vêm para conseguir um meio termo e fazem uma conversa mais próxima entre o profissional de saúde e essa pessoa, trabalhando numa relação de confiança, e não de poder”.

Assista à reportagem da TV UFSC:

A Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública de Santa Catarina também se manifestaram contra o texto, declarando que “não é capaz de alcançar os fins a que se propõe, além de violar a ordem legal e constitucional”.

“Inicialmente, é preciso contextualizar, desde já, que a intenção proposta pelo Município acarreta tratamento diferenciado à população em situação de rua, distinto das demais camadas sociais e do próprio coletivo no restante do país, revelando uma política seletiva e de higienização social, incompatível com o Estado Democrático de Direito e com os direitos fundamentais. De qualquer modo, é imperioso mencionar que a internação é um instituto previsto tanto na Lei Federal n. 10.216/2001 (atinente à proteção e aos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais), como na Lei Federal n. 11.343/2006 (atinente ao tratamento do usuário ou dependente de drogas), motivo pelo qual a sua aplicação prescinde de lei municipal”, pontuam os órgãos.

Sobre a lei

O texto chama a medida de “internação humanizada” e explica que se estende a pessoas com dependência química crônica, com prejuízos à capacidade mental, ainda que parcial, limitando as tomadas de decisões; pessoas em vulnerabilidade, que venham a causar riscos à sua integridade física ou à de terceiros, devido a transtornos mentais pré-existentes ou causados pelo uso de álcool e/ou drogas; pessoas consideradas incapazes de emitir opiniões ou tomar decisões, por consequência de transtornos mentais pré-existentes ou adquiridos.

O PL também diz que quando a pessoa se recusa a ser internada o processo pode ser autorizado até mesmo por um servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad).

Imprensa Apufsc
Com informações de Agência Brasil, NSC Total e TV UFSC