“O foco da nossa gestão será abrir espaços de diálogos”

Eleita no dia 30 de novembro para administrar a UFSC pelos próximos quatro anos, a professora Roselane Neckel concedeu entrevista para o Boletim da Apufsc, onde fala de suas principais propostas de governo. Na conversa, ela destaca que sua administração vai criar mecanismos para que toda a comunidade universitária seja ouvida, levantando problemas e apontando soluções. Fala também sobre gestão universitária, autonomia, fisiologismo, modelo de universidade, gratificações, Reuni, ensino a distância e segurança jurídica.

Apufsc-Sindical- Como será o modelo de gestão em sua administração e quais são os princípios fundamentais que o sustentam?

Roselane Neckel – Criar mecanismos democráticos de tomadas de decisões, para ouvir as pessoas e construir um planejamento institucional, que visa agregar pessoas e, a partir daí, constituir os indicadores de realidade. Acho que essa é a nossa principal questão. Planejamento e comunicação institucional, ou seja, a comunicação não envolve apenas informar, é também ouvir, para tomarmos as decisões institucionais. Afinal de contas nós estamos representando as pessoas. Isto não significa assembleísmo, mas significa criar formas e o tempo inteiro estar ouvindo as pessoas para antecipar as questões. Vamos conversar sobre políticas de pesquisa, política de ensino e discutir políticas de extensão. Isto nos dá fundamento, nos dá base e argumentos para representarmos a nossa comunidade como ela deve ser. É diferente quando você fica trabalhando no regime de urgência e não abre espaço para discutirmos qual é a universidade que temos. Então o foco da nossa gestão é abrir espaços de diálogos que nos dêem argumentos e indicadores de como deveremos nos posicionar, tanto nos mais diferentes setores da sociedade, como em relação ao governo.

 

AS- Em sua opinião, o que a universidade pública brasileira precisa fazer para alcançar  a autonomia constitucional? Qual o papel da Andifes neste processo? O que, em sua opinião, os professores, servidores e estudantes da UFSC esperam de nosso próximo Reitor neste aspecto?

RN – É muito importante que a universidade retome o processo de discussão sobre a educação nesse país. É muito importante que a gente construa, em conjunto com a comunidade, este espaço. Um espaço que nos torne mais ativos em relação às políticas de educação desse país. É uma forma de colaborar tanto com a sociedade quanto com o governo. Nós temos aqui muitos professores, muitos pesquisadores, que realizam um trabalho magnífico e que  precisam de um espaço de expressão. Dar este espaço é a nossa grande missão institucional. Abrir espaços para construirmos a nossa autonomia, que é o que nós não temos tido, em nossa avaliação, nos últimos anos.  Temos estabelecido uma relação com o governo e com outros setores muitas vezes só assumindo as atividades que nos são determinadas, mas não nos colocando politicamente  neste processo de relacionamento. Qual é o nosso projeto de universidade? Acho que o fortalecimento da comunidade e da compreensão de qual é nosso projeto de universidade, fortalecerá a nossa autonomia institucional. Outra questão importante que contribui para fortalecer  a nossa autonomia é exatamente a representatividade do Reitor. Ele tem que representar a comunidade universitária e representar significa, antes de tudo, criar mecanismos para ouvir e, a partir daí, defender aquilo que os diferentes órgãos colegiados e as diferentes entidades representativas deliberaram e colocaram em discussão, respeitando o órgão máximo da UFSC, que é o CUn. No que se refer à Andifes, nosso papel é representar  a nossa instituição diante da Andifes e, nesse sentido, fortalecer o seu papel como articuladora junto ao governo em defesa da educação desse país, em especial da educação universitária.

 

AS – O poder na UFSC está há muitos anos nas mãos de um grupo de pessoas que se alternam entre posições-chave da universidade de uma gestão para outra.Em sua opinião como lidar com este problema interno?

RN – A renovação é sempre muito boa para a universidade. Nós temos uma história de gestão administrativa na universidade que teve sucesso, afinal nós temos a UFSC que temos hoje. É importante reconhecer todos os méritos das antigas administrações, mas, neste momento, nós acreditamos que uma renovação é muito importante. Uma renovação de quem está nos espaços centrais de decisão. Nós entendemos que essa renovação, agregada com aqueles que já trabalham na nossa universidade irá representar a tranqüilidade e o fortalecimento institucional. Nós não estamos aqui querendo construir um novo grupo, mas querendo dar a possibilidade para que as mais diferentes pessoas, com competências e habilidades e com comprometimento institucional tenham a possibilidade de assumirem esses cargos de gestão. Nesse sentido nós estamos valorizando todas as pessoas da nossa comunidade. Terão que ser feitas escolhas? Sim, afinal temos uma comunidade muito grande, mas esse processo deve significar a agregação de pessoas para que trabalhemos juntos pela UFSC. O processo eleitoral está no passado, agora estamos no presente, e o presente é primordial para a UFSC. O fisiologismo será evitado com a profissionalização da gestão.

 

AS – Em sua opinião, como resolver a questão da gratificação dos coordenadores de graduação na UFSC?

RN – Esta é uma questão primordial para nossa gestão, desde um primeiro momento nós entendemos que precisamos, primeiro, definir as funções gratificadas na UFSC  com um estudo muito criterioso sobre a atual forma de distribuição das FGs, com muita tranqüilidade. Entendemos que temos  hoje uma quantidade importante de funções gratificadas.  Mas temos a necessidade de ampliar, junto ao governo, estas gratificações, considerando o nível de complexidade de funções que temos hoje, tanto nos centros de ensino da UFSC, que envolvem os coordenadores de graduação, como em outros setores, como o HU. Temos, hoje, em torno de 850 funções gratificadas, que são atribuídas pelo gabinete do Reitor.  Entendemos que precisamos construir um planejamento que defina critérios transparentes, a partir da complexidade das funções para definir as funções gratificadas e, caso não seja suficiente para atender todas as funções, então que façamos um trabalho junto ao governo para ampliar estas gratificações. Quanto aos coordenadores de graduação, em nossa avaliação, eles são essenciais dentro da estrutura da UFSC e sua valorização caminha junto com a valorização do ensino de graduação, que tem um impacto social muito amplo. E se tivermos bons alunos de graduação, teremos bons alunos de pós-graduação.

 

AS – Os professores da UFSC mais antigos recebiam a URP por cerca de 17 anos como um seu direito  baseado em uma sentença transitada em julgado. Este direito foi ignorado na gestão Lúcio  e houve um corte deste pagamento como uma imposição da AGU ao Reitor.  O que a senhora pensa sobre este assunto e sobre outros, como os direitos à paridade dos aposentados, que estão colocando em risco a segurança jurídica de nossos professores e servidores? O que fazer para tentar reverter este quadro que está cada vez se configurando mais definido contra direitos dos trabalhadores?

RN – É importante que tenhamos um acompanhamento institucional de todas as questões jurídicas que envolvem professores e técnico-administrativos. É muito importante perceber a nossa responsabilidade na garantia de direitos que já foram conquistados e acompanhar os processos. E, para isso precisamos de uma assessoria jurídica independente dentro da UFSC, que nos dê essa condição de defender e ter argumentos para fazer essa defesa, nos mais diferentes órgãos do governo, assim como na Andifes.   A questão da URP: estamos acompanhando todo este processo. Com relação à paridade dos aposentados, essa é uma luta que faz parte da minha história de vida. Uma luta que me acompanha há muitos anos. Quando participei da greve em 1998, uma das propostas, na época, foi a da GED, que atingia apenas os professores na ativa e, naquele momento, eu já me posicionei firmemente, de forma crítica, em relação ao que isto representava em relação à falta de isonomia entre os aposentados e aqueles que estão na ativa. Eu tenho muito claro que os ativos de hoje serão os aposentados de amanhã e, portando, a nossa gestão tem que trabalhar tanto para aqueles que estão na ativa, para lhes dar melhores condições de trabalho, como para aqueles que deram a vida pela UFSC durante muitos anos e que hoje não podem ser deixados à margem do processo da tomada de decisões na UFSC.

 

AS – Como a senhora vê o Projeto Político Pedagógico – PPP do Reuni baseado em turmas grandes (de 200 a 250 alunos)? Como vê a implantação do Reuni baseado na reforma de Bologna no curto, médio e longo prazo? Uma universidade precisa ser grande para ser boa? Em sua opinião, do que o Brasil mais precisa, de uma ‘Cambridge’ ou de uma ‘Universidade Autônoma do México”? Como vê a questão de professores ainda em regime probatório, mas  já responsáveis por turmas de 200 alunos com aulas em quadro digital e microfone?

RN-  Esta é uma inovação pedagógica e, por este motivo, precisa ser acompanhada de uma avaliação continua. A experiência que está sendo realizada no câmpus de Joinville dever ser valorizada, mas é necessário infraestrutura adequada e também reconhecer a necessidade de rever a carga de ensino dos professores diante de turmas de 200 alunos. Não há suporte adequado para a aplicação de provas, trabalhos, etc. A sobrecarga para os professores é enorme. Portanto, consideramos que é muito importante avaliar constantemente os níveis de aprendizado em turmas grandes, avaliar a necessidade de inovações metodológicas e, para resolver a sobrecarga dos professores, constituir uma equipe para as disciplinas, distribuindo com igualdade a carga didática e a realização de avaliações, ajustando a relação de 18 alunos por professor para possibilitar sua dedicação à pesquisa e extensão.Sobre o Reuni, nosso entendimento é que toda política de incentivo as universidades públicas federais são bem-vindas, contudo , a dinâmica de implantação de qualquer projeto dever ser merecedora de uma análise profunda institucional de modo a considerar as especificidades dos centros de ensino, responsáveis pela efetiva aplicação do mesmo. Ressalte-se, ainda, a necessidade de realização de um planejamento profissional a curto, médio e longo prazo para sua execução.Já o tipo de universidade que queremos deve ser definido em um amplo debate com a comunidade acadêmica, o governo federal e a sociedade. Deveríamos nos perguntar se o objetivo da nossa universidade é atender às necessidades da comunidade da região e do país, ou de procurar o Nobel. As universidades são e serão diferentes, com projetos com objetivos diferentes,  construídos na relação com a sociedade em que estão inseridas.

 

AS – Qual a sua opinião sobre a forma como vem sendo tratada a questão do EaD na UFSC e nas demais universidades brasileiras dentro do sistema de Universidade aberta?O EaD permite a formação de   profissionais com qualidade para serem agentes de transformação da sociedade ou massifica esta formação e compromete a qualidade da educação superior no Brasil? Quais as possíveis consequências para a qualidade de nossas universidades públicas no que se refere à pesquisa acadêmica considerada como um elo indissociável do ensino?

RN – Inicialmente, é muito importante que tenhamos a consciência de qual é o nosso Projeto Institucional do Ensino a Distância na UFSC. Em que fórum isto foi discutido até o momento? Temos vários modelos de EaD em nível nacional e, inclusive, internacional. Em países como a Espanha nós temos um sistema como a Universidade Aberta (UAB), onde a EaD é de responsabilidade exclusiva do governo. Em outros países se fez a opção de abrir o EaD para o mercado. Hoje nós temos uma participação muito importante de projetos de EaD que envolvem também a pesquisa e extensão, porque o EaD que nós tínhamos pensado é um projeto de ensino que amplia. Em vários estados brasileiros, o EaD foi pensado para ocupar lugares onde não há possibilidade de ensino presencial. Hoje, existem outras diretrizes dentro do governo, que envolvem o aporte de ensino presencial dentro do EaD. São questões que precisam ser debatidas dentro da nossa universidade. Qual o projeto de EaD da UFSC? Em que estrutura está o EAD? Hoje, o EaD está ligado ao gabinete do Reitor. Nosso grande desafio é abrir a discussão e definir claramente qual a nossa proposta para o EaD na UFSC e, a partir daí, dar todo o apoio necessário à esta modalidade de ensino. É uma questão que precisa ser discutida e que até hoje não foi. Além do EaD, temos hoje, na UFSC, várias estruturas ainda sem uma institucionalização.