No IFSC, bloqueio atinge quase 40% das verbas de custeio

Atividades principais podem ser suspensas em novembro, diz reitorad+ trabalhadores terceirizados da instituição temem ficar sem emprego 

Estudantes protestam contra cortes nos IFs. Foto: NSC

Vestida de preto como parte de um protesto de estudantes contra os cortes nas instituições federais de ensino superior, a reitora do IFSC, Maria Clara Schneider, recebeu a Apufsc para uma das várias entrevistas que tem feito com veículos locais para discutir o bloqueio orçamentário, o qual chama de medida “drástica e nefasta” que “vai paralisar a instituição”, declaração que rendeu manchetes.

À frente do IFSC desde 2011, Maria Clara agora precisa lidar com um bloqueio de R$23,5 milhões, ou 37%, no orçamento anual de custeio da instituição que atende 50 mil alunos entre ensino médio, cursos técnicos, e graduação, com campi em 20 municípios do Estado. Em muitos deles, o IFSC é a única opção de educação superior pública.

Inicialmente, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que bloquearia a verba de universidades que promovessem balbúrdia. O Ministério recuou, estendendo o contingenciamento a todas às instituições federais de ensino superior sem um critério definido. Para Maria Clara, é importante defender a liberdade de expressão nas instituições de ensino, onde existe diversidade de pensamento e livre manifestação da política e da ideologia. Em relação às declarações iniciais do ministro da Educação, a reitora afirmou que “isso é inconstitucional, contrário à própria instituição pública, que não é de um governo, é do país”.

Para a professora, a discussão da política dentro das universidades e Institutos Federais (IFs) é importante. “Nossa balbúrdia é uma balbúrdia de formação. Nossas instituições são de ensino, pesquisa, extensão, aprendizagem, conhecimento. A questão ideológica não é central, é importante, mas central é o aprendizado, e claro que nisso está a posição política, essas coisas são intrínsecas.”

Formação cidadã 

A estudante de espanhol Marcela Rocha também acredita que a diversidade de pensamento dentro das salas de aula tem um impacto positivo nas discussões e no aprendizado. “Na minha turma tem gente de 19 anos e de 70, gente de todo tipo e que trabalha em muitas áreas. Isso nos permite olhar com outros olhos os diferentes setores da sociedade. São dinâmicas saudáveis”, afirma.

Maria Clara Schneider reforça que a formação na universidade precisa ser crítica. “Na questão da agricultura, por exemplo, nós formamos pessoas que sabem que se usar agrotóxico vai trazer prejuízo para a saúde da população”, afirma. “Se eu disser que é possível usar agrotóxico porque vai gerar maior produção, tenho também que mostrar o risco para quem consome. Isso é uma formação integral”, diz. Para ela, essa visão comprometida com a população é confundida com ideologia, mas são coisas diferentes. “É uma formação cidadã.”

Para essa formação seja efetiva, a reitora acredita que é preciso liberdade na hora de produzir pesquisas, pois, caso haja interferência de iniciativas comerciais, a ciência será podada. “Claro que estamos em contato com o mercado, empresas e indústrias, mas o interesse principal não é o interesse do lucro, do capital. É importante que as instituições tenham essa independência”, diz.

Os cortes de orçamento anunciados pelo governo têm consequências não apenas nas aulas, pesquisas científicas, projetos para a comunidade, mas também na vida dos trabalhadores que mantêm a universidade em funcionamento. Fabiana da Silva Ribeiro, que trabalha com a limpeza no IFSC, teme ser afetada. “Sem luz e sem água já vai ser um caos, imagina sem os trabalhadores? Tem vigilância, tem recepcionista. Todo trabalho que existe aqui é necessário. Imagina como seria sem limpeza em salas, até quando durariam as atividades?”

Fabiana mora em Barreiros com seu marido e dois filhos. “Dependo desse trabalho para manter as despesas de casa e tenho filho pequeno. Se eu perder esse trabalho, metade da renda da minha família será afetada”, diz. Ela espera que sua filha, que tem 14 anos, possa estudar em uma instituição de ensino superior. “Ela quer entrar na universidade. Também tem sonhos de ir pra Alemanha, quer estudar espanhol, francês. Quer abraçar o mundo.”

Sede do IFSC no bairro Coqueiros, em Florianópolis. Foto: Manoela Bonaldo

Cobertor ainda mais curto 

Segundo Maria Clara Schneider, as atividades principais do IFSC podem ser suspensas em novembro. “A partir de setembro vamos ter que cortar aulas práticas. Como um estudante de gastronomia ou construção civil vai poder ter aula sem os insumos? Aí vamos substituindo aula prática por teórica, até chegar lá em novembro e a instituição não consegue mais pagar sua conta de luz, seu contrato de limpeza”, afirma.

O corte no orçamento dos IFs contrasta com a suposta ênfase do governo federal em cursos que geram “retorno imediato ao contribuinte”, como afirmou Bolsonaro através do Twitter. “Nós defendemos que todos os cursos são essenciais para o nosso desenvolvimento, não só os cursos de exatas. Os IFs são em sua essência instituições de Ciência e Tecnologia. É uma contradição dizer que o país precisa de pessoas nessa área e cortar de instituições como a nossa”, afirmou a reitora.

Caso as atividades do IFSC não consigam ser mantidas no próximo semestre, a funcionária Francinete Souza, de 42 anos, vai ser afetada em dobro. Ela trabalha na limpeza e está concluindo o ensino médio integrado com curso prático de cozinha. “Trabalho aqui das sete da manhã às cinco da tarde, e minhas aulas começam às seis e meia e vão até dez da noite. Escolhi esse curso para terminar o ensino médio e ao mesmo tempo ter uma qualificação de trabalho”, diz. Francinete havia estudado até o segundo ano do ensino médio e conta que quando começou a trabalhar no IFSC teve vontade de retomar os estudos. “Eu estava há 24 anos sem estudar, e quando pisei aqui para trabalhar é que abri meus horizontes novamente”, afirma.

Tanto Francinete quando Fabiana nunca viram no IFSC a balbúrdia acusada pelo ministro da Educação. “Pelo contrário, é um espaço que estudantes respeitam muito pois sabem que se não houver respeito pela instituição ela não é mantida”, afirma Fabiana.

Maria Clara Schneider aposta na reação da sociedade em defesa da educação pública para reverter os cortes. “A gente espera sensibilizar as pessoas e mostrar o efeito dramático que esse corte vai ter nos IFs e na economia.”

Manoela Bonaldo e Victor Lacombe