Governo quer levar mérito pelos resultados na ciência de gestões passadas

Presidente da Capes afirma que dados referentes às pesquisas de anos anteriores são resultado das atuais políticas de “racionalização do financiamento” 

De acordo com dados divulgados em agosto pela Capes, o Brasil teria atingido, no primeiro semestre de 2019, o segundo melhor nível em 30 anos no indicador que mede o impacto da pesquisa científica no país. O presidente da Capes, Anderson Correia, comemorou  e disse que os dados são resultado das políticas implementadas neste ano para “promover melhorias na avaliação e na racionalização do financiamento”. A questão é que tais dados se referem a estudos científicos concluídos no ano passado ou  antes, com recursos que os cientistas receberam de governos anteriores.

Em média, trabalhos acadêmicos levam seis anos para ter um resultado publicado em revista científica. Em alguns casos, são dois anos só no processo de aceite do trabalho pela publicação. Não é possível, portanto, medir o impacto da ciência em 2019 considerando os trabalhos acadêmicos deste mesmo ano que ainda não terminou. “Não dá tempo para um cientista ler um estudo, escrever outro e publicá-lo no mesmo ano”, explica Connie McManus, professora da UnB e ex-diretora de relações internacionais da Capes. 

Consultada sobre os números, a Capes disse que usou um indicador da Clarivate Analytics, dona da base de dados que reúne os principais periódicos científicos do mundo, a Web of Science. É uma média de citações recebidas pelos trabalhos científicos normalizada por área do conhecimento, como ciências biológicas ou engenharias . O número muda ao longo do ano conforme as publicações entram na base. 

Não se trata, no entanto, do indicador de impacto convencional usado por cientistas e pela própria Capes. A agência federal utiliza o número de citações por estudo para classificar os periódicos científicos que recebem a produção dos programas de pós-graduação brasileiros, responsáveis por formar mestres e doutores. 

Tradicionalmente, o indicador de impacto é calculado pela quantidade de vezes que estudos científicos publicados em revistas acadêmicas de anos anteriores foram mencionados em trabalhos científicos de ano posterior. Isso porque algumas áreas do conhecimento levam mais tempo para serem citadas, como é o caso das Humanas, por  exemplo.

Em nota, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse ainda que “a expectativa é de que o índice [do impacto das produções acadêmicas] aumente, pois temos políticas voltadas para o que de fato tem impacto científico”.

Na academia, o sentimento vai no sentido contrário. “Só a publicação de um artigo científico em uma revista acadêmica de ponta custa cerca de R$ 12 mil, sem contar o custo da pesquisa em si. Como isso será feito sem recursos?”, questiona Connie. O custo é alto porque os principais periódicos científicos são estrangeiros e cobram as taxas de publicações em dólar.

De acordo com proposta orçamentária para 2020, a verba da própria Capes, que fomenta ciência em todo o país, pode ser 50% menor do que em 2019: de R$ 4,25 bilhões passaria para R$ 2,20 bilhões.

A divulgação dos dados de impacto da ciência brasileira pelo governo se deu pouco antes do anúncio de um novo corte de recursos na área.  No último dia 2, a Capes anunciou o congelamento de mais 5.613 bolsas de mestrado e doutorado. É uma espécie de salário pago a cientistas em formação para que se dediquem exclusivamente aos seus trabalhos acadêmicos – são R$ 2.200 mensais para um bolsista de doutorado. Nenhum novo pesquisador será financiado neste ano pela agência ligada ao MEC.

Os cortes federais também atingiram o CNPq. A agência já anunciou que não tem dinheiro para pagar 84 mil bolsistas até o final do ano. O déficit é de R$ 330 milhões.

Questionada sobre a interpretação dos dados da Clarivate Analytics e sobre a relação do impacto da ciência hoje com o governo atual, a Capes disse que não poderia responder nesta semana, pois o presidente da agência estava fora a trabalho.

Leia mais em: Folha de SP