Universidades federais em ensino remoto compartilham aprendizados e soluções

A Apufsc conversou com seis das oito instituições que constam na lista do MEC entre as que retomaram o ensino de forma não presencial

Forçadas a suspender as atividades presenciais por conta da pandemia, as Universidades Federais (UFs) buscam soluções para retomar o semestre letivo. Em caráter excepcional, o Ministério da Educação (MEC) autorizou a substituição das disciplinas presenciais por atividades remotas nas instituições federais de ensino superior até 31 de dezembro (Portaria nº544/ publicada no Diário Oficial da União no dia 16 de junho). O reitor Ubaldo Cesar Balthazar anunciou que a UFSC se prepara para adotar o ensino remoto, mas o Conselho Universitário ainda precisa deliberar sobre a resolução. Até o momento, não há detalhes sobre datas, ferramentas e metodologias. 

Das 69 Universidades Federais do país, oito retomaram o semestre letivo integralmente com uso de recursos tecnológicos para ensino remoto, segundo levantamento do MEC. Contudo, apesar de constarem nessa lista, a Apufsc apurou que a Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) prevê o Ensino Remoto Emergencial a partir de agosto. Enquanto a Federal do Ceará (UFC) deve dar início às atividades remotas em julho, após divergências entre entidades e o reitor interventor.

As outras seis instituições (UFABC, UFLA, UFMA, UFMS, UFSM e UNIFEI) compartilham desafios comuns, apesar das diversas realidades da comunidade acadêmica. Pró-reitores de graduação e secretários de educação a distância apontaram como principais desafios: a falta de familiaridade dos professores com tecnologias e a dificuldade de acesso a computadores e internet pelos alunos. Nesta reportagem, reunimos as principais soluções, ferramentas e ponderações feitas pelas universidades durante esse período. 

Capacitação do corpo docente

A capacitação dos docentes é um dos aspectos mais importantes dentro da modalidade de ensino remoto. Das UFs que estão em funcionamento, algumas não ofereceram apoio técnico e treinamento para o uso das plataformas digitais, nem um parâmetro de adaptação de conteúdo para o ambiente virtual em seus modelos de ensino. É o caso da Universidade Federal do ABC (UFABC), que retornou o quadrimestre no dia 21 de abril, com adesão voluntária de 90% dos docentes.

Mesmo sem treinamento, eles substituíram as atividades presenciais previstas em seus planos de ensino por atividades remotas. A pró-reitora de Graduação, professora Paula Ayako Tiba, reconhece que essa é uma das falhas identificadas na proposta elaborada pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd). Para o próximo quadrimestre, a instituição planeja capacitar os docentes durante sete semanas. 

Das seis instituições consultadas pela Apufsc, três optaram por elaborar propostas que permitem a adesão voluntária ao modelo remoto, nas outras três a adesão é obrigatória. Algumas universidades já contavam com cursos de Ensino a Distância (EaD), como a Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), que desde 2016 oferece cursos de metodologias e práticas inovadoras no Ensino a Distância. Com 1600 docentes, a instituição já abriu 1 mil vagas para esses cursos, mas não sabe precisar quantos concluíram a capacitação. “A UFMS possui ainda o portal Minha Biblioteca, onde os livros estão disponíveis online”, explica o chefe da Secretaria Especial de Educação a Distância, Prof. Hercules da Costa Sandim. Caso os docentes precisem de acesso a equipamentos da universidade, podem utilizar as suas salas de maneira escalonada. Até o momento, poucos tiveram essa necessidade, diz Sandim.

A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) também já tinha expertise na área, por contar com 12 cursos a distância. A instituição adaptou o já existente Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE), no qual os alunos podem fazer as atividades em casa no caso de problemas de saúde. Cerca de 70% dos docentes têm pelo menos uma matéria pelo REDE na UFSM, o que facilita a relação com as tecnologias de informação e comunicação que estão sendo utilizadas. A página da reitoria serve como repositório, onde as informações, tutoriais e cursos são publicados para docentes e discentes. “Temos agora uma comissão que está concluindo um portal de trabalho em rede, onde estarão todos os materiais de forma organizada”, pontua a pró-reitora de Graduação, professora Martha Adaime.

Claudia Barin, professora do Departamento de Química da UFSM, em vídeo aula. Ela criou um canal no Youtube durante o Regime de Exercícios Domiciliares Especiais.
Foto: Reprodução

À frente da Prograd, Adaime explica que o REDE foi proposto com o objetivo de adiantar as disciplinas que poderiam ser ofertadas na modalidade e que a participação era voluntária para quem “quisesse e pudesse”. E identificou três categorias de docentes na UFSM: os que têm fluência tecnológica, por já trabalharem com EaD; os que não tinham, mas “foram atrás e transformaram suas aulas” e os que não aderiram porque entendem que o programa se insere na EaD. A EaD é uma modalidade de ensino específica –  com legislação, princípios e projeto pedagógico distintos – , diferente do Ensino Remoto Emergencial (ERE), que se trata de uma adaptação excepcional de cursos presenciais. 

Como apoio ao ensino remoto, a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) tem feito vários cursos de preparação para as atividades remotas através do site “EaD para Você”. O portal foi criado pela Diretoria Interdisciplinar de Tecnologias na Educação (Dinte) e oferece aos docentes cursos, treinamentos, webinários, entre outras iniciativas educacionais.        

Na Federal de Lavras (UFLA), os professores com pouca habilidade para lecionar com a mediação por tecnologias de informação e comunicação tiveram um prazo para pedir o cancelamento dos componentes curriculares antes do retorno das atividades letivas. Em seu site, a instituição disponibiliza um espaço com alguns documentos de suporte à comunidade docente. Além disso, foi disponibilizado um guia de orientações para a elaboração de Roteiros de Estudos Orientados (REO). A Adufla (Associação de Docentes da UFLA) criticou em nota a forma como se implementa o Ensino Remoto Emergencial, que “rebaixa sobremaneira a qualidade do ensino ministrado na UFLA, ao ignorar casos particulares das mais diversas naturezas pedagógicas”.

Acesso às tecnologias pelos estudantes

As instituições utilizaram diferentes metodologias para mapear os alunos que não têm acesso a computador e/ou internet, sendo a autodeclaração a principal delas. A UFABC, no entanto, optou por usar dados de um levantamento feito pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) em 2018. Há dois anos, eram 300 alunos sem computador e 150 sem internet em um universo de mais de 14 mil estudantes da universidade. 

Cerca de 30% dos estudantes das universidades de Santa Maria (UFSM) e do Maranhão (UFMA) estão em situação vulnerável quando se fala de tecnologias. Em comparação às outras quatro universidades contatadas pela Apufsc, essas duas são as que apresentam o maior percentual de alunos sem computador ou e/ou internet.

A pró-reitora de Graduação da UFSM, professora Martha Adaime, ressalta que muitos dos estudantes são de famílias rurais e, por isso, não dispõem de boa conectividade ou, mesmo na cidade, não têm condições financeiras para a contratação de internet adequada. “Estamos providenciando um auxílio de inclusão digital, que é uma ajuda mensal para contratação de pacote de dados. Eles têm que provar que têm condição socioeconômica baixa – são cerca de 4.400 alunos que recebem bolsa de benefício socioeconômico. A eles com certeza vamos dar auxílio inclusão”, garante.

Na Federal do Maranhão, o número de alunos sem acesso à internet pode ser ainda maior. O presidente da Associação dos Professores da UFMA (Apruma), professor Bartolomeu Rodrigues Mendonça, aponta que o levantamento foi feito através de um questionário aberto, sem qualquer controle ou garantia de que as respostas vinham do corpo estudantil da Universidade. “Como é que você abre um calendário acadêmico deixando um percentual dos alunos, não se sabe nem dizer ao certo quanto, de fora?”, questiona. “Nós entendemos que é muito grave”. 

O presidente do sindicato ressalta ainda que a internet é muito instável e varia conforme as localidades no estado. “O sinal da internet chega de forma muito precária ou [às vezes] não chega”, disse. A UFMA tem nove campi em diferentes cidades. De acordo com o IBGE, 38,6% dos domicílios do Maranhão não contam com internet — ao lado do Piauí, o estado tem o 2º pior índice do país. A Universidade ainda não apresentou um programa específico para inclusão digital. 

Já as Federais de Itajubá (UNIFEI), Lavras (UFLA) e Mato Grosso do Sul (UFMS) abriram editais de inclusão digital que oferecem auxílio para contratação de dados e estão emprestando notebooks para os discentes em situação de vulnerabilidade. A UFLA abriu licitação para compra de mais 300 notebooks e a UFMS recebeu R$ 3 milhões do MEC para aquisição de equipamentos —  por enquanto, 500 estudantes já manifestaram interesse. Ainda no Mato Grosso do Sul, foi aberto um edital que permite o uso de laboratórios de informática de maneira escalonada e com higienização correta, segundo o chefe da SEAD, professor Hercules da Costa Sandim.

Caio Renó Faria, 23, realizando uma avaliação no modo online; Caio é graduando em Engenharia Ambiental na UNIFEI, em Itajubá (MG), mas retornou à casa dos pais no interior de São Paulo durante a quarentena.
Foto: Arquivo pessoal

Como está funcionando o Ensino Remoto Emergencial?

Em regime especial, as universidades estão em funcionamento com diferentes planos de trabalho. De qualquer forma, as propostas de ensino para subsidiar o retorno das atividades não presenciais devem seguir as diretrizes da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020. O decreto do Ministério da Educação vedava, inicialmente, a adesão ao modelo remoto de cursos práticos e estágios. Assim, atualmente, a maior parte das disciplinas ofertadas nas UFs são teóricas. Há exceções.  Na universidade de Santa Maria (UFSM), por exemplo, matérias práticas do curso de Sistema da Informação — compatíveis com o ensino a distância — estão sendo ministradas. 

Como dinâmica de estudo em algumas instituições os professores elaboram Roteiros de Estudos Orientados, como na universidade de Lavras (UFLA). O documento serve como suporte e conta com atividades e conteúdos direcionados aos estudantes. Além disso, as universidades adotaram metodologias semelhantes de ensino com vídeoaulas gravadas ou online. 

Na Federal do Maranhão (UFMA), a maioria dos departamentos escolheram ofertar disciplinas eletivas em vez de obrigatórias. “Minicursos, rodas de conversas, plenários, lives e também seminários fazem parte da série de ações do período especial”, ressalta o professor Bartolomeu Rodrigues Mendonça, presidente da Apruma. 

Em relação às Tecnologias de Informação  e Comunicação  utilizadas, não há grandes diferenças entre as plataformas escolhidas pelas instituições. Algumas deixaram a escolha livre para os professores, como a UFABC e a UFSM. Na última, o docente pode usar, inclusive, só o e-mail e o whatsapp, se preferir. De modo geral, a maioria das universidades utiliza ferramentas como SIGAA e Moodle, além de ferramentas do Google (G-Suite, Google Meet e Google Classroom).

A Federal de Lavras (UFLA) possui uma plataforma chamada Campus Virtual, especial para o ensino a distância. A página também disponibiliza em tempo real um painel de acompanhamento de acessos, que permite visualizar o número de visitas por parte dos alunos e professores da instituição.   

Pedagogia e o uso de tecnologia

Em entrevista à Apufsc no mês de maio, a pesquisadora em Educação e Cultura Digital Andrea Brandão Lapa, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC, ressaltou que o ensino remoto não é uma simples transferência de conteúdos e conhecimentos. “É necessário um apoio pedagógico para o professor ser inovador naquilo que ele realiza dentro da mediação da tecnologia, para ele não recair no uso comum de só disponibilizar conteúdo, de fazer uma educação inferior — na qual ele mesmo não acredita — para ‘tampar o buraco’”, pontua a professora. 

Defensora da integração entre educação e tecnologia, a pesquisadora critica a visão de que a virtualização do ensino se trata de um repositório de conteúdos, com vídeos e textos em uma plataforma. “A educação não é assim. Você não constrói conhecimento tendo acesso à informação. Isso não é suficiente. O que mais o professor faz em sala de aula? Aquilo precisa estar presente também na virtualização”, reforça a especialista.

Incertezas e alternativas

Pelo planejamento inicial da UFSM, assim que possível, haverá 13 semanas de aulas presenciais referentes ao primeiro semestre letivo. Um plano parecido havia sido adotado pela UNIFEI e UFABC, que acabaram decidindo concluir integralmente de forma remota. Em conversas com pró-reitores e secretários de diferentes UFs, fica claro que não era esperado um período tão longo de distanciamento social. 

A Adufabc (Associação dos Docentes da UFABC) critica a “falta de padronização do estudo, com perspectiva temporal equivocada, e falta de acompanhamento” pela reitoria. Pede que seja discutida a isonomia do trabalho dos docentes, um senso de vulnerabilidade dos discentes e uma plataforma unificada pública.

Na Federal do Mato Grosso Sul, uma solução encontrada para cursos da área da Saúde foi permitir a utilização de laboratórios na universidade. “Com base nos critérios estabelecidos de biossegurança, semanalmente um comitê indica para cada município [onde há um campus] em qual nível [de contágio] ele se encontra”, explica o professor Costa Sandim, da SEAD da UFMS, “A partir disso são tomadas ações diferentes no ensino. Se estamos em baixo risco, qualquer atividade presencial pode ter ocupação de 70% [do ambiente]. Em médio, a taxa diminui. Em alto risco, diminui ainda mais, ou nem se tem atividade presencial”. 

Emily Menezes e Ilana Cardial