Deixar de fazer Censo este ano é tiro de morte no IBGE, que está sendo sucateado, diz demógrafo

Sem levantamento, pesquisas terão amostras cada vez mais defasadas, esvaziando função do Instituto, aponta José Eustáquio Diniz para o Valor

O demógrafo José Eustáquio Diniz adverte que a não realização do Censo demográfico este ano pode levar ao fim do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sem o levantamento populacional, diz ele, as pesquisas periódicas do instituto partirão de amostras cada vez mais defasadas e perderão acurácia, o que, no médio prazo, esvazia a função da instituição, abrindo caminho para sua extinção.

Isso, afirma ele, causaria prejuízo de grandes proporções sociais e econômicas ao país. “O IBGE fica sujeito a essa situação constrangedora: simplesmente o Congresso corta os recursos e inviabiliza o Censo. Isso é um tiro de quase morte. Se não for feito o Censo neste ano, se forem consolidados esses cortes, você pode levar o IBGE para a UTI, vai ter que ser tratado com respiração artificial, senão vai morrer”, disse o professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE) na Live do Valor desta terça-feira.

Mas o jogo ainda não está perdido. Em sua visão, a conjuntura do “orçamento fictício” abre boa janela de oportunidade para a recomposição do orçamento do Censo, cuja previsão de R$ 2 bilhões foi rebaixada a R$ 71 milhões no orçamento ora aprovado no Legislativo. “Esse orçamento é ilegal, por ter feito cortes que a legislação não permite. O governo vai ter um mínimo de bom senso, e de senso de sobrevivência, mandando um projeto de lei ao Congresso para consertar as barbaridades do orçamento. Isso abre possibilidade grande para rediscutir o orçamento do IBGE”, acredita Eustáquio.

Logo no início da entrevista, Eustáquio observou que, em abril, o número de mortes por covid-19 pode superar o número de nascimentos pela primeira vez em toda a história do Brasil. Embora a constatação independa do Censo, seu impacto na estrutura populacional requer conhecimento preciso sobre o quadro demográfico que só o SUS pode conferir. “Podemos ter mais de 100 mil mortes só em abril”, diz Eustáquio. Noutro momento, o hoje pesquisador independente observou que o país conta com um contingente oficial de desempregados – aqueles que buscam emprego – superior a 14 milhões de pessoas, mas cerca de 32 milhões de desalentados, aqueles que não procuram trabalho e por isso ficam de fora da estatística.

“Não temos informações precisas sobre essas 32 milhões de pessoas e isso é grave”, reclama. Ele observa que, conforme apontamento de pesquisadores do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) não têm batido com os dados das pesquisas do IBGE para desemprego, caso da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. “Isso acontece porque as pesquisas do IBGE têm base amostral antiga. O Caged te dá uma informação, e a Pnad, outra. Quem vai resolver isso é o Censo Demográfico”, afirma. A lista de aplicações essenciais do Censo é longa e passa ainda pela determinação da população dos municípios, fatos chave na distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios, lembra Eustáquio.

“O censo é atividade essencial. Sem informação não se combate a doença. O IBGE é o SUS da informação. Não dá para brincar”, insiste. Do ponto de vista político, diz o especialista, se o Censo for prorrogado mais uma vez – deveria ter acontecido em 2020 – ficará cada vez mais difícil executá-lo.

Leia na íntegra: Valor Econômico