Sob pressão por volta presencial, profissionais do Aplicação alertam para falta de recursos e riscos à saúde da comunidade escolar

Colégio de Aplicação está sendo pressionado por grupo de pais e alunos a retomar atividades presenciais, mesmo sem 2ª dose da vacina para os professores e sem recursos para protocolo de higiene

Assim como todas as instituições de ensino pelo país, o Colégio de Aplicação da UFSC adotou o ensino remoto, como uma forma de preservar a vida neste contexto de pandemia. Mas, com a inclusão dos professores entre os grupos prioritários de vacinação neste último mês, um grupo de pais e alunos vêm pressionando por um retorno presencial. Pesquisadores e profissionais de saúde e educação, no entanto, destacam que a doença segue descontrolada no país e os índices de imunização são muito baixos. Com isso, a volta de aulas presenciais no Aplicação pode ser um risco à saúde e à segurança dos 200 funcionários, dos quase mil alunos e de toda a comunidade escolar, como destaca a enfermeira Gláucia Bohusch, que faz parte da equipe que avalia as condições sanitárias para o retorno do CA.

Seguindo pelo calendário de vacinação, os professores e a equipe do colégio só devem receber a segunda dose da vacina da Covid-19 e, portanto, ter uma proteção mais completa, em meados de agosto. Somando-se a isso, há ainda as dificuldades de orçamento da UFSC, que inviabilizam ainda mais o retorno. Isso porque, como informa Gláucia, para um retorno com segurança, a instituição precisaria distribuir máscaras N95/PFF2 para os alunos, adquirir álcool em gel e dobrar o número de contratados para a higienização dos ambientes, o que tem sido inviabilizado com os recentes cortes de verbas na UFSC.

Também deve ser levado em conta que o Colégio de Aplicação atende uma grande quantidade de estudantes que se deslocam até a escola pelo transporte público. Aumentando a circulação de pessoas nesses ambientes fechados, as crianças poderiam se tornar vetores de contágio. “A decisão de voltar não é individual, é coletiva. No momento que retornam às aulas, a gente vai expor as famílias, as crianças e os funcionários” explica ainda a enfermeira Gláucia.

Nessas condições excepcionais, a equipe do CA tem preparado atividades on-line com o objetivo de manter o mesmo padrão daquelas do ensino presencial, com provas, trabalhos e tarefas. O time de serviço social e da direção do Colégio também atuam no suporte às famílias, para facilitar o aprendizado. No período de pandemia, já foram emprestados 159 kits de informática para alunos que não tinham acesso aos equipamentos, além de internet, cestas básicas, auxílio financeiro e suporte psicológico aos vulneráveis.

Nesta terça-feira (22), a Associação de Pais e Professores do Colégio de Aplicação emitiu uma nota de esclarecimento, reconhecendo o trabalho dos profissionais durante a pandemia. “Vimos que tudo foi adaptado a essas novas exigências, e não ficaram de fora os processos avaliativos, dentro de uma perspectiva processual e contínua”. A nota informa ainda que “todas/os as/os demais profissionais, sejam docentes, coordenações pedagógicas, orientadoras/es pedagógicas/os, secretaria, enfermagem, assistentes sociais, pedagogas de Educação Especial e todos os setores do CA, não se ausentaram destas transformações e adaptações e realizar seus trabalhos”.

A enfermeira Gláucia destaca que o momento não é fácil e o impacto para pais e alunos é inevitável, sendo que muitos pais precisam voltar a trabalhar e as crianças ficam vulneráveis em casa. “A escola é um local de proteção. Tanto pela merenda, quanto pelas pessoas que estão cuidando dessa criança”, destaca Bohusch. Mas, no contexto atual, a saúde de todos precisa seguir como prioridade.

A professora e pesquisadora Alexandra Crispim Boing, do Departamento de Saúde Pública da UFSC e membro do Observatório Covid-19 BR, concorda que é uma decisão complexa e em que precisam ser consideradas muitas variáveis. Mas ela reitera que, no momento, é crucial pensar em segurança. A pesquisadora explica que não existe “risco zero” e, apesar da menor chance de crianças e adolescentes evoluírem para um caso grave ou chegarem a óbito, isso não está descartado, ou seja, pode acontecer, além dos riscos de serem transmissores da doença para toda a comunidade. Em Israel, por exemplo, dados divulgados no último dia 17 mostraram que apenas dois surtos em escolas levaram ao maior aumento diário de casos no país desde o início de maio.

No caso do Brasil, o contexto tem sido ainda mais complicado. “As mortes de bebês, crianças e adolescentes são superiores a outros países e tem aumentando de forma importante. É provável que isso esteja ocorrendo principalmente pelo descontrole da pandemia no país, aliado a outros fatores que potencializam esse cenário”, afirma. Para ela, para uma abertura séria e mais segura possível, é preciso, primeiro, controlar a disseminação do vírus. “Esse é um ponto crucial para pensar na segurança”, conclui.

O Colégio de Aplicação segue as diretrizes do Plano de Contigência para o enfrentamento da Covid-19 da UFSC. “Estamos acompanhando as normativas e portarias da UFSC, pois somos uma escola vinculada à UFSC”, informa o diretor-geral do Colégio de Aplicação, Edson Souza de Azevedo. Na terça-feira da próxima semana (29), será realizada uma reunião com famílias, direção do Colégio e Chefe de Gabinete da universidade, para esclarecer sobre o atual cenário e dialogar com a comunidade escolar.

A situação em Santa Catarina e em Florianópolis

A pesquisadora Alexandra Boing destaca que o Brasil e Santa Catarina estão deixando o vírus circular livremente. “Temos batendo na nossa porta uma alta probabilidade de um novo pico mais impactante do que vivenciamos no início do ano e sem estrutura de serviço de saúde suficiente”. Ela informa que, para se ter uma ideia, Santa Catarina tem fila de espera por UTI desde fevereiro, ou seja, desde fevereiro até hoje, 22 de junho, há pessoas sem o atendimento de que precisam.

Ela lembra ainda que há um leque de pontos que precisam ser considerados em um plano de contingência, quando se fala em retorno das aulas presenciais, como: estrutura das salas para que se propicie ambientes extremamente ventilados, monitoramento de gás carbônico, compatibilização de questões pedagógicas com o distanciamento físico (principalmente para educação infantil), uso de máscaras de boa qualidade e bem adaptadas (preferencialmente PFF2), higienização dos materiais e testagem ativa.

Para Alexandra, o país não tem sido exemplo na implementação de bons planos de contingência, com estruturas adequadas, testagens, isolamentos quando necessário e transparência de informação para a comunidade, o que só amplia as dificuldades no enfrentamento à pandemia e precisa ser levado em conta.

Imprensa Apufsc