Com renúncia dos pesquisadores da área de Química, debandada na Capes chega a 80 funcionários

Após saída de servidores do Inep, funcionários de Matemática, Física e agora Química deixam o órgão

Vinte e oito pesquisadores que atuam na avaliação da área de Química da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) renunciaram a suas funções na instituição nesta quarta-feira.  O novo grupo de cientistas a abrir mão do cargo é composto por três coordenadores da área de Química, que tinham mandato de quatro anos, e 25 pesquisadores ad hoc, que atuam como consultores nas avaliações. No total, já são 80 cientistas que deixaram seus cargos na instituição desde a semana passada com críticas à gestão do órgão. A debandada foi revelada inicialmente pelo GLOBO na última segunda-feira.

Os pesquisadores reforçam as críticas apresentadas anteriormente por seus colegas de que não há empenho da presidência da instituição em retomar a avaliação quadrienal, que está paralisada após decisão judicial. Eles também criticam a “rapidez e empenho” para abertura de edital para Avaliação de Propostas de Novos Cursos (APCN) e o pedido de formulação de proposta para cursos de Educação à Distância (EAD). Além disso, os cientistas criticam a ausência de um novo Plano Nacional de de Pós-Graduação (PNPG), uma vez que aquele que estava em vigência venceu no ano passado.

A avaliação em debate se refere à produção científica do país feita entre 2017 e 2020 em 4.146 programas de pós-graduação, de todas as áreas. Ela ainda não foi concluída, em parte por causa da pandemia, e em parte porque houve judicialização do processo. Em setembro deste ano, a Justiça do Rio de Janeiro suspendeu a avaliação, após pedido de liminar do Ministério Público do Estado. A denúncia viu critérios ilícitos no processo, porque eles haviam sido alterados pelo Governo durante o período de análise dos cursos. Sem a avaliação, o país fica sem saber a evolução da qualidade da pesquisa no Brasil, e onde deve-se investir mais ou cortar recursos. Em última análise, o raio-x da produção acadêmica e científica fica obscuro e o caso, sem data para ser resolvido.

Com a avaliação em suspenso, os coordenadores e consultores se recusam a endossar a criação de novos cursos de pós-graduação, o que vem sendo pedido pela presidência da entidade e já foi cobrado pelo Ministério Público do Distrito Federal. O processo, está suspenso desde 13 de novembro de 2020 e não voltou ao calendário da entidade. Com a pressão, os membros do comitê avaliador preferiram renunciar às posições para não assinar algo que pode criar cursos sem qualidade.

Leia, na íntegra, carta divulgada pelos profissionais de Química do órgão:

Os coordenadores da área de Química (Coordenador, Coordenadora-adjunta de Programas Acadêmicos e Coordenador de Programas Profissionais), juntamente como os consultores ad hoc que estavam realizando a avaliação quadrienal 2021 até a paralisação da mesma, abaixo-assinados encaminham à Diretoria de Avaliação e à Presidência da CAPES o pedido de renúncia coletiva.

 A atuação das coordenações de área e dos consultores ad hoc é um trabalho voluntário. Somos todos profissionais de instituições de ensino e instituto de pesquisa que, conjuntamente com todo o trabalho feito na CAPES, mantemos todas nossas atividades nas nossas instituições. Aceitamos de bom grado colaborar com a CAPES, sabendo que uma avaliação indutiva e formadora é o caminho para melhora a qualidade na formação de recursos humanos para o país, na produção de conhecimento e na transferência desse conhecimento para a sociedade. Somos do tempo em que se dizia com orgulho que a CAPES somos nós.

 Estamos na coordenação da área de Química nos últimos oito anos, mas muito mais tempo se contarmos toda a atuação como consultores. Passamos por vários governos, vários presidentes e diretores de avaliação. Nem sempre foi fácil, mas sempre tivemos pleno apoio e muito diálogo para que pudéssemos discutir e aprender muito, especialmente no tocante as particularidades de cada área, que devem ser ouvidas e respeitadas, mas sem nunca perder o foco do Sistema Nacional de Pós-Graduação como um todo. 

 Nas visitas que fazíamos aos programas de pós-graduação, em eventos do fórum de coordenadores, ou em qualquer outra atividade da qual participávamos, nunca deixamos de dizer que a pós-graduação era uma política de estado e não de governo. E que o sucesso da pósgraduação foi alicerçado nesta política de estado, que se materializou, desde 1975 no primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação, até o sexto PNPG, que se iniciou em 2011 e com término em 2020. Infelizmente, não podemos mais fazer essa afirmação. Estamos no final de 2021 e não se conhece nenhuma ação da CAPES no sentido de discutir e elaborar o PNPG 2021-2030. Assim, entendemos que a inexistência de uma política nacional de pós-graduação formalizada torna todo o sistema frágil, no sentido de que diagnósticos, metas e desafios estratégicos não estão disponíveis para toda a comunidade. Também não se pode mais falar em um verdadeiro diálogo. Desde 2020, fazem questão de ressaltar que, pelo estatuto, somos somente consultores. Consultores que ficaram sabendo de muitas das decisões depois que as mesmas foram publicadas 

 A falta de compromisso com a avaliação quadrienal se traduz pela demora no estabelecimento do cronograma e do regimento, bem como pela inercia na tomada de ações necessárias para a retomada do processo, paralisado por questões judiciais. Para exemplificar, o juiz de segunda instância menciona tal inercia ao negar o pedido de cassação da liminar vigente. Por outro lado, tal situação contrasta com a rapidez e empenho para a abertura de edital para avaliação de propostas de novos cursos (APCN). Causa-nos ainda estranheza pela incompatibilidade evidente das mesmas: APCN é um dos processos de avaliação da CAPES (processo de entrada) e que se baseia em dados e não faz sentido que seja realizado antes que se tenha uma visão da situação real da área que seria dada pela avaliação Quadrienal 2021, atualmente suspensa. Também não faz sentido, em nosso entendimento, lançar um edital de APCN sem antes discutir e elaborar o PNPG 2021-2030, único documento que poderia nortear a elaboração de uma proposta condizente com o Projeto de Estado da Pós-graduação com a qualidade que o Brasil merece.

Somente ontem (30/11/21), um dia antes da publicação do edital, tomamos conhecimento de ofício do MPF-DF (Oficio no 2465/2021/GABPRF-WRAN/PR-DF/MPF de 20/04/2021) questionando a necessidade de abertura de APCN e a resposta da CAPES (Oficio no 373/2021-GAB/PR/CAPES de 29 de junho de 2021). Note que temos o MPF-DF querendo a avaliação de entrada e o MPF-RJ paralisando a avaliação de permanência. Outro ponto é a necessidade de formulação pelas áreas de um documento para submissão de propostas de pósgraduação Stricto Sensu de Ensino a Distancia (EaD).  Uma boa parte das áreas, incluída a Química, tem pouca ou nenhuma experiência em EaD. A elaboração de tais documentos, em tempo tão exíguo, deveria ter sido precedida de uma ampla discussão com diferentes atores, se EaD na pós-graduação se aplica a todas as áreas e o que seria importante para fomentar sua implantação com a devida qualidade.

 Analisando a paralisação da avaliação quadrienal em curso, fica claro que uma possível  retomada da mesma, conduzirá sua conclusão em data que se situará após o final dos mandatos dos coordenadores (04/04/2022). Entendemos que a avaliação quadrienal deve ser finalizada pelas atuais coordenações e consultores, mas até o momento, não vemos por parte da presidência, quando indagada, nenhuma declaração de maneira inequívoca sobre a extensão dos mandatos dos atuais coordenadores, visando não deixar essa imensa lacuna aberta.

Os pontos levantados acima já foram muito bem colocados e reforçados pelas coordenações das áreas de Astronomia-Física e Matemática/Probabilidade e Estatística, no momento dos respectivos pedidos de renúncia, os quais concordamos integralmente.

Voltando ao PNPG 2001-2020, o mesmo tinha cinco eixos de atuação, sendo um deles o aperfeiçoamento da avaliação. Em 2018, como já foi feito em ocasiões anteriores, a Comissão Especial de Acompanhamento do Programa Nacional de Pós-Graduação recomendou à CAPES a necessidade de ajustes e aperfeiçoamentos, recomendações que surgiram após consulta a mais de 30 setores e entidades relacionados ao Sistema Nacional de Pós-Graduação. 

Este relatório, aprovado no Conselho Superior da CAPES, induziu à reestruturação de Quesitos e itens da Ficha de Avaliação, sendo que um grupo de trabalho foi criado para propor a reestruturação. Tal GT, do qual fomos coordenador, propôs a nova ficha de avaliação. A implementação da Ficha de Avaliação se deu após um amplo processo de discussão e consulta à comunidade.  A ficha, que antes tinha cinco quesitos, passou a ter três. Programa, Formação e Impacto na Sociedade. É bom frisar que a reformulação não deixa de fora nenhum dos elementos que fizeram parte da avaliação passada, mas permite a valorização de atividades que antes eram pouco ou mesmo não consideradas.  Destacamos aqui a valorização do impacto econômico e social dos programas e a avaliação qualitativa dos melhores produtos (teses, egressos e produção de conhecimento). Outro ponto importante foi a introdução da visão multidimensional nos impactos, outra recomendação da comissão do PNPG.  Isto é o caso das dimensões internacionalização e inserção (local, regional, nacional), que seriam relativizadas e avaliadas de acordo com a missão e perfil dos programas.

 A avaliação, que vinha sendo feita desde o seminário de meio termo até o momento da suspensão das atividades, mostrava um quadro muito positivo para a área, a despeito das constantes quedas de financiamento e da própria pandemia. Se do lado quantitativo a maior parte dos artigos científicos foram publicados em revistas de elevado percentil nas bases WebofScience e Scopus, a avaliação qualitativa seria a oportunidade de mostrar o perfil de nossas teses e egressos, a vocação da área para transferência de tecnologia para a sociedade, divulgação científica e a inserção e apoio ao ensino médio e fundamental. Sem falar da necessidade da avaliação para diagnósticos dos principais problemas e deficiências a serem equacionadas.

Lamentamos não poder concluir esta tarefa, a qual nos dedicamos fervorosamente. Saímos da nossa atividade voluntária de coordenadores e consultores ad hoc da CAPES, mas   continuaremos a lutar para que num futuro, esperamos que não muito distante, possamos voltar a afirmar com orgulho que a CAPES somos nós.

 Agradecemos a todos que tornaram este convívio tão agradável. Em especial gostaríamos de destacar a qualificação, profissionalismo e competência dos técnicos da DAV. Servidores como esses são o alicerce da CAPES e devem ser mais ouvidos e valorizados. Agradecemos também aos coordenadores de programas de pós-graduação da área, que foram nossos parceiros nesta trajetória.

 Na expectativa que o poder judiciário consiga compreender o enorme prejuízo que será causado caso a avaliação dos programas de pós-graduação não seja realizada nos moldes do que foi inicialmente proposto, discutido e implementado, desejamos à DAV e a todos os coordenadores e coordenadoras que permanecem, votos que consigam concluir a Avaliação Quadrienal 2021 da melhor maneira possível. 

Com informações de O Globo e El País