Cumprir e fazer cumprir o Estatuto seria apenas uma exigência burocrática?

Apesar de o tempo anterior à pandemia da covid-19 nos parecer, às vezes, muito distante – pois temos a sensação de que se tratava doutro tempo histórico, que sofreu uma ruptura –, ele é relativamente recente. Muitos processos foram interrompidos e só puderam ser retomados após o arrefecimento das medidas de isolamento e, no caso da universidade, a partir do retorno às atividades presenciais. Isso acontece também em relação às atividades sindicais e aos processos que estavam em curso na Apufsc.

Quando, em 16 de março de 2020, foram suspensas as atividades presenciais na UFSC, estava convocada uma Assembleia Geral da Apufsc para o dia 24 de março, isto é, oito dias após, para “decidir a qual entidade nacional o sindicato deve se vincular: Andes ou Proifes”. A assembleia foi obviamente suspensa.

A discussão sobre a vinculação da Apufsc a uma entidade nacional vinha ocorrendo desde antes e passou por uma decisão de assembleia, de 22 a 30 de abril de 2019, na qual 751 associados votaram. A consulta foi feita em duas etapas: na primeira, 70% dos votantes indicaram que querem mudanças e que a Apufsc deveria estabelecer relação política sindical em âmbito nacional. Na segunda votação, sobre a forma desta relação, a maioria decidiu que quer a Apufsc filiada a uma das entidades sindicais nacionais, Andes-SN ou Proifes-Federação.

O isolamento imposto pela pandemia não impediu a continuidade do debate, por meio remoto, impulsionado pelo Conselho de Representantes (CR), principalmente em 2021. Com o retorno às atividades presenciais, começaram a amadurecer as condições para a realização da assembleia prevista dois anos antes. Como havia outros processos em curso, principalmente a eleição para a Reitoria, o CR achou por bem esperar um pouco; em reunião realizada no último dia 9 de junho, decidiu convocá-la para ser instalada presencialmente em 5 de julho, seguindo-se votação eletrônica até o dia 8 de julho de 2022.

As normas que deverão regular esta assembleia estão contidas no Edital nº. 003/2022 – Apufsc-Sindical, também aprovado pelo CR . Os conselheiros, no entanto, não tiveram acesso ao texto do referido edital anteriormente à reunião, o qual foi projetado em tela e lido pelo presidente, que o colocou em votação sumária sem permitir qualquer discussão, a despeito do apelo de parte dos conselheiros para que fosse feita. Resultou que o Edital recebeu 10 votos favoráveis, nove contrários e uma abstenção. Até aí, tudo aparenta estar perfeitamente dentro da normalidade e aqueles que perderam deveriam acatar o resultado. Mas, após a reunião, quando o Edital foi publicado e, portanto, acessível, foi possível compreender integralmente seu conteúdo e cotejá-lo com o Estatuto da Apufsc. Vejamos.

Como “pauta única” da Assembleia tem-se: “FILIAÇÃO À ENTIDADE SINDICAL NACIONAL DE DOCENTES UNIVERSITÁRIOS: PROIFES FEDERAÇÃO ou DISSOLUÇÃO E INCORPORAÇÃO AO ANDES-SN”. Por que a pauta não seria simplesmente filiar ao Proifes ou ao Andes? Por que, para votar na opção Andes, tem-se que votar em dissolver a Apufsc? Dissolver o que?

A Apufsc é o Sindicato dos Professores das Universidades Federais de SC e possui registro no Cadastro Nacional das Entidades Sindicais (CNES). De acordo com as sucessivas portarias ministeriais que buscam uniformizar os procedimentos para os registros e cancelamentos de registros sindicais, a eventual religação da Apufsc ao Andes seria a incorporação de um sindicato menor por um sindicato maior, com a consequente dissolução do sindicato menor. Tem havido polêmica sobre se isso seria uma imposição ou algo a ser contornado, uma vez que se trata de portaria e não de lei. Entretanto, mesmo admitindo-se a obrigatoriedade de dissolução, não teríamos que deliberar primeiro entre as opções Andes e Proifes? Conforme a decisão, trataríamos dos passos seguintes. No caso da proposta vitoriosa ser o Proifes, não haveria que se falar de dissolução, pois trata-se de uma federação de sindicatos.

Vejamos o que define o Estatuto da Apufsc sobre dissolução:

Art. 6° – A dissolução da Apufsc-Sindical só poderá ocorrer por decisão de Assembleia Geral Extraordinária especificamente convocada para este fim (grifo nosso)

A assembleia convocada para decidir sobre filiação não pode, portanto, decidir sobre dissolução. A presença da expressão dissolução na pauta da assembleia sobre filiação poderia ser apenas uma sinalização, um lembrete, de que, posteriormente, caso a opção vencedora seja o Andes, teríamos que tratar da dissolução. Contudo, não é isto que está no Edital 003/2022; filiar e dissolver estão postos para deliberação na mesma assembleia. Sigamos. O referido edital informa:

(…) com votação das propostas levantadas, cujo os quóruns estão previstos no art. 19 (letras “b” e “f”, parágrafos 3° e 4°, em que definem os quóruns exigíveis*, para cada uma das duas opções a serem votadas, que constarão da cédula eleitoral) (…).

Parece uma novidade, não parece? Sim, é uma novidade: pela primeira vez estamos diante de uma assembleia que tem quóruns diferentes para cada proposta. Na verdade, não se trata propriamente de quórum, mas do mínimo de votos necessários para aprovação de proposta. Cabe perguntar: pode numa mesma assembleia, com duas propostas, haver diferença do mínimo de votos necessários para a aprovação de cada uma delas? A resposta é não, o Estatuto não permite. No Edital há uma explicação na nota indicada pelo asterisco na última citação.

*Quóruns exigíveis:
Art. 19 – Deverá ter convocação específica e exclusiva a Assembleia Geral Extraordinária, em duas etapas, destinada a:

b) filiar ou desfiliar a Apufsc-Sindical de qualquer outra entidade;

f) dissolver a Apufsc-Sindical;

§ 3º – A segunda etapa das Assembleias Gerais Extraordinárias, convocadas para as deliberações previstas nas alíneas a), b), c), d) e e) exigirá o voto eletrônico de, no mínimo, 1⁄4 (um quarto) dos filiados efetivos da Apufsc Sindical em dia com suas obrigações regimentais. A votação terá duração de acordo com o estabelecido no edital de convocação.
§ 4º – A segunda etapa da Assembleia Geral Extraordinária convocada para a deliberação prevista na alínea f) exigirá o voto de no mínimo 2/3 (dois terços) dos seus filiados efetivos em dia com suas obrigações regimentais. A votação terá duração de acordo como estabelecido no edital de convocação.

Como se pode observar, a nota do Art. 19 do Estatuto, não corrobora o que está escrito no Edital, uma vez que tal Art., no seu caput e alíneas “a” a “f”, especifica os cinco temas que devem ser tratados em cinco assembleias próprias. Os parágrafos terceiro e quarto referem-se aos mínimos de votos necessários para aprovação de propostas em cada uma das assembleias de temas únicos: votos em quantidade mínima correspondente a ¼ dos filiados para as assembleias específicas a), b), c) d) e e). Para a assembleia específica de dissolução, alínea f), § 4º do Art. 19, exige-se a quantidade de votos correspondente a 2/3 dos filiados. Lembramos, em nossa defesa, que tal especificidade é determinada igualmente pelo Art. 6º, citado mais acima.

Considerando que a Apufsc tem hoje 2.795 sócios efetivos, de acordo com o referido Edital, a proposta Proifes precisa obter, no mínimo, 699 votos (1/4) para ser aprovada; a proposta Andes precisa obter, no mínimo, 1.864 (2/3) votos. Ou seja, o voto na proposta Proifes vale 2,67 vezes o voto na opção Andes. Além de impor ao associado que deseja votar na opção Andes que vote também na dissolução (opção, como visto, vedada pelo Estatuto), seu voto vale 0,37 do que vale o voto dos optantes pelo Proifes. Parece até valores de câmbio entre moedas e a moeda Proifes está bem mais valorizada que a moeda Andes.

Como se trata de uma agressão ao Estatuto, com consequente imposição discriminatória ao direito de voto dos associados, tentamos reverter esse descuido do CR. Primeiramente, foi solicitado ao presidente do CR, também presidente da Apufsc, que convocasse reunião do Conselho para rever a decisão, o que foi negado. Tentou-se convocar reunião do CR por parte de 1/3 dos conselheiros (Art. 24 do Estatuto); de novo o presidente não acatou e, consequentemente, não viabilizou o suporte da entidade para sua viabilização. Foi também apresentado recurso à Assembleia, como prevê o Estatuto (Art. 25, §1º). O presidente negou-se a convocá-la para apreciar o recurso, o que era sua obrigação, e o indeferiu , atribuição que não lhe cabe. Defendeu que os recorrentes deveriam convocar assembleia para análise do recurso por meio de requerimento à Diretoria com a assinatura de 5% dos associados, ou seja, 140 associados. Embora esta forma de convocação esteja prevista no Estatuto, Art. 17 – b), não se aplica neste caso. Foi encaminhado, ainda, ao presidente, um pedido de reconsideração, também negado.

Cabe mencionar, ainda, que o Edital de Convocação da Assembleia cita uma Portaria do Ministério da Economia (a Portaria SEPRT nº 17.593, de 24 de julho de 2020, que regulava os procedimentos administrativos para o registro de entidades sindicais pelo Ministério da Economia). No entanto, essa portaria foi revogada pela Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021 do Ministério do Trabalho e Previdência, que normatizou os procedimentos administrativos relativos ao Registro Sindical.

Entre as respostas dadas aos nossos pedidos de que a assembleia se restringisse a tratar, conforme indicou a assembleia anterior, em 2019, da decisão acerca da vinculação da Apufsc ao Andes ou ao Proifes, deixando-se a questão de eventual dissolução para assembleia específica, destacamos um excerto do parecer do assessor jurídico da Apufsc, datado de 20/06/2022, que subsidia resposta do presidente:

Não seria lógico como querem fazer crer os requerentes, a necessidade de duas assembleias distintas, o que poderia ser entendido como a intenção de privilegiar uma proposta em detrimento da outra. (grifo nosso)

Sim, é isto que você leu. Dar tratamento equânime a duas propostas “poderia ser entendido como a intenção de privilegiar uma proposta em detrimento da outra”. Está aí a confissão.

Houve a manipulação do Estatuto, com a mistura de assembleias distintas numa só, com a mistura de suas exigências de quantidades mínima de votos para aprovação de propostas, supostamente para não prejudicar as duas alternativas. Nós, professores da UFSC, em atividade ou aposentados, sócios da Apufsc, não podemos e não seremos manipulados dessa forma.

Restando claro que todas as portas na Apufsc foram fechadas, e para evitar que se consubstancie tamanha barbaridade, instauramos processo na Justiça do Trabalho, impugnando o Edital 003/2022 e a Assembleia por ele convocada.

Trata-se, não de um ataque à Apufsc, mas ao contrário, da sua defesa, da defesa de que os direitos dos filiados, como reza o Estatuto, sejam os mesmos, sem pesos diferentes, sem discriminações.

Mesmo que não consigamos obter êxito na impugnação na JT, antes da realização da irregular assembleia (5 a 8/07), continuaremos na batalha por sua impugnação. Não podemos, em hipótese alguma, legitimá-la. Isto é, não participaremos da votação, mantidos os termos postos pelo Edital e compareceremos eventualmente em sua instalação para apresentar, mais uma vez, o apelo para que o Estatuto seja respeitado e que ela não seja instalada sem que haja mudanças nos procedimentos desde o seu edital.

Chamamos os colegas a nos acompanhar nessa dura, mas não complicada, jornada, pois basta fazermos o que determina o Artigo 12:

Art. 12 – São deveres dos associados:
a) cumprir e fazer cumprir o disposto neste Estatuto;

Com esta disposição reconquistaremos a unidade entre nós, no interior da Apufsc e com a nossa categoria, nacional e indivisível: a dos professores das Instituições Públicas de Ensino Superior. A gravidade dos atuais ataques à universidade pública no país, à ciência e à tecnologia, aos serviços públicos em geral, exige urgentemente essa unidade. O momento brasileiro, e não só no país, é de luta em defesa da democracia, contra todas as agressões que vem sofrendo, sobretudo pelo atual governo. Para que tenhamos força para tanto, temos que praticar a democracia em nossas entidades e temos certeza de que somos absolutamente capazes de garantir isso.

Um último, mas não menos importante, argumento: a eventual necessidade de dissolver o sindicato local não é um problema a ser arcado pelos que hoje defendem a vinculação da Apufsc ao Andes, nem dos que defendem a vinculação ao Proifes, ressalvando-se a atribuição aos primeiros de peso de voto inferior aos segundos. O que terá que ser feito, após a deliberação da assembleia exclusivamente convocada para tratar de filiação nacional, será de responsabilidade do conjunto dos sindicalizados e não dos que defenderam proposta A ou B.

Adriana D’Agostini (EED/CED), Alberto Elvino Franke (GCN/CFH), Ana Maria Baima Cartaxo (Aposentada), Astrid Baecker Avila (EED/CED), Beatriz Stainback Albino (CA/CED), Célia Regina Vendramini (EED/CED), Carolina Picchetti Nascimento (MEN/CED), Douglas Francisco Kovaleski (SPB/CCS); Edivane de Jesus (DSS/CSE), Graziela Del Monaco (EDC/CED), Ilyas Siddique (FIT/CCA), Luana Renostro Heinen (DIR/CCJ), Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho (DZDR/CCA), Maria da Graça Nobrega Bollmann (Aposentada), Maria Odete Santos (Aposentada), Mauro Titton (MEN/CED), Natacha Eugenia Janata (EDC/CED), Natali Esteve Torres (CA/CED), Olinda Evangelista (Aposentada), Otávio Augusto Alves da Silva (ECV/CTC), Paulo Marcos Borges Rizzo (aposentado), Paulo Pinheiro Machado (HST/CFH), Sandra Luciana Dalmagro (EED/CED), Simone Sobral Sampaio (DSS/CSE), Soraya Franzoni Conde (EED/CED), Thereza Cristina Bertazzo Silveira Viana (CA/CED) e Tiago Montagna (FIT/CCA)