GREVE? AGORA NÃO!  

*Por Gilson Silva Jr

É inquestionável que os professores das IFES tiveram perda de poder de compra nos últimos anos. Como apontei neste espaço em 15/09/2023, há cerca de 500% de inflação acumulada desde o plano Real, mas não tivemos reajuste equivalente. Na oportunidade ponderei que deveríamos obter reajustes do vale alimentação e da faixa de isenção do IRPF em 2024 e reajustes salariais significativos em 2025. Apontei R$ 6000,00 e R$ 15.000,00, respectivamente, como valores de referência para o auxílio alimentação e a faixa de isenção. Para minha surpresa, o reajuste dos auxílios entrou em pauta, mas com valor de referência bem mais modesto: R$ 1000,00. Já a faixa de isenção de IRPF pretende ser de R$ 5000,00 até 2026. Faz parte do jogo de barganha. 

Em 15/03/2024, também neste espaço, o colega Romeu Bezerra e co-autores chamaram atenção para os riscos de propostas demagógicas e irresponsáveis, dadas as restrições fiscais impostas pelos arcabouços legais recentemente aprovados pelo congresso. 

Este argumento de certa forma complementa as ponderações que fiz em setembro de 2023, pois de fato não é possível obter todos os justos reajustes de uma só vez. Não por falta de recursos, mas pela forma como os recursos são alocados: conforme a capacidade de persuasão dos grupos de interesse junto ao congresso e ao executivo em torno de pautas muito bem definidas. 

Este ano não vai faltar recursos para pagamento dos serviços da dívida pública. Dos R$ 5,4 trilhões do orçamento 2024, R$ 2,7 trilhões, ou 50%, vão para os bem articulados do sistema financeiro, que desde sempre têm uma pauta bem definida, independentemente de quem é governo. E eles sempre conseguem persuadir para valer seus interesses sem ter que fazer greve. Como conseguem? 

Em 27 de março, ainda neste espaço, noticiaram que Assembleia Geral Extraordinária (AGE) realizada pela Apufsc-Sindical resultou em cinco encaminhamentos: Declaração de estado de greve, com mobilização; Criação de comissão de mobilização; Nova AGE no dia 3 de abril com pauta única: greve; Manifestação de apoio aos TAEs em greve; Paralisação da categoria no dia 3 de abril. 

Não consta uma pauta clara nem como as legítimas demandas dos professores das IFES serão incluídas no orçamento de 2024. A meu ver, isso é um problema, pois a categoria sinaliza que não sabe exatamente o que quer, nem onde estão os recursos. Vai ser via CPMF?

Os recentes posicionamentos do governo federal indicam outros rumos. Neste início de 2024 o governo abriu edital para várias carreiras específicas, como Caixa Federal, Ipea, Banco Central, BNDES, BNB, CVM, Tesouro Nacional, Auditor Fiscal do Trabalho, Ministério do Planejamento, etc. Mas o que mais chamou atenção foi o concurso unificado, apelidado de Enem dos concursos, que teve 2,1 milhões de candidatos e arrecadou R$126 milhões com inscrições, o suficiente para cobrir os custos das provas. 

Isto deixa bastante claro que o governo federal prioriza a recomposição dos quadros do serviço público, tanto para repor os que se aposentaram quanto para repor os que estão para se aposentar. 

Outros posicionamentos do governo indicam que pretende abrir mais 10 mil vagas de concurso até 2026 e que os servidores só terão reajuste em 2024 se houver excedente de arrecadação. Ainda na linha expansionista, o governo federal anunciou a criação de mais 100 institutos federais de ensino até 2026, o que vai demandar contratações de mais técnicos e professores.  

Tudo isso claramente vai acarretar pressão permanente sobre o orçamento federal a partir de 2024, quando estes servidores forem contratados, o que reduz substancialmente a margem de manobra do governo para atender pedidos de reajustes. 

Já foi detectado substancial heterogeneidade nas recomposições salariais. Se algumas categorias tiveram perdas de 38%, outras tiveram ganhos de 60%. Estes que tiveram perdas certamente se manifestarão, aumentando mais ainda a pressão sobre o orçamento. 

Uma pauta clara e coesa, com eventual adesão de outras categorias, ajudaria na persuasão. Mas o que temos até agora é muito vago. Uma eventual greve pode desgastar a categoria ao ser interpretada como férias extemporâneas, e pode dar em nada. 

Além disso, muitos alunos estão retomando suas vidas no pós pandemia, terminando seus cursos, prospectando oportunidades de trabalho, vários com chances de emprego em SC e fora de SC. Eles seriam substancialmente prejudicados. E a CAPES não vai esperar a pós da UFSC, caso ela também entre em greve. Mas há risco de penalizá-la na próxima avaliação quadrienal.  

Isto dito, reitero que é preciso recompor o poder de compra dos professores das IFES, que poderia iniciar pelos auxílios e faixa de isenção de IRPF em 2024, que em 2025 deveríamos negociar reajustes que recomponham a perda salarial, ainda que de forma escalonada, e subscrevo os colegas que chamaram atenção para o negativo mix de demagogia e irresponsabilidade. 

Mas ressalvo que os encaminhamentos até o momento me parecem fantasiosos e desconectados da realidade orçamentária do país, das ações do governo federal para recomposição dos quadros da administração pública, e ignora os efeitos da expansão dos institutos federais. 

Greve? Agora não!  

Referêrencias:
Remuneração dos professores das IFES: o mínimo minimorum
Demagogia e irresponsabilidade
Em Assembleia Geral Extraordinária, categoria docente da UFSC decide por estado de greve
“Enem dos concursos” arrecada R$ 126 milhões e cobre custos da prova
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Esther Dweck: ‘Servidores só terão reajuste em 2024 se houver excedente de arrecadação’
Concursos: governo federal vai abrir mais 10 mil vagas até 2026
Os riscos da nova expansão dos Institutos Federais (IFs)

*Gilson Silva Jr é professor do CNM/CSE