Da saúde pública à economia, professores da universidade atuam em pesquisas que investigam momento histórico
Em 2020, quando a pandemia de covid-19 foi oficialmente declarada, a professora Eleonora D’Orsi, do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), precisou fazer adaptações no trabalho do grupo de pesquisas EpiFloripa, que desde 2009 faz o acompanhamento de pessoas acima de 60 anos. Os pesquisadores passaram a realizar as entrevistas por telefone, com cerca de 300 participantes, entre 2020 e 2022. Entre 2023 e 2024, o grupo fez uma nova rodada de entrevistas com o mesmo coletivo de pessoas, e se deparou com a descoberta de que, dos 15 anos em que a pesquisa existe, aquele havia sido o segmento com maior número de falecimentos.

A professora explica que, para além do fato de que a faixa etária acima de 60 anos foi a que atingiu os maiores índices de mortalidade em razão da covid-19, os pacientes também foram acometidos pelo que chama de “covid longa”. Esse termo refere-se aos efeitos posteriores da doença, desde o agravamento de problemas preexistentes ao surgimento de novas condições.
Em outras palavras, a baixa no número de participantes das pesquisas realizadas em 2023 e 2024 justificou-se pelos falecimentos em decorrência da covid-19 e seus efeitos a longo prazo, bem como pelas comorbidades deixadas nos pacientes que, em alguns casos, foram sérias o suficiente para impedir sua participação no estudo.
Cinco anos depois do primeiro caso de covid-19 registrado oficialmente no Brasil, no dia 26 de fevereiro de 2020, o país tem um total acumulado de mais de 39 milhões de casos e 715 mil mortes. Segundo o boletim semanal do Ministério da Saúde, que coleta dados a partir das Secretarias Estaduais, na última semana epidemiológica foram registrados 6.354 novos casos e 34 mortes. Os números foram atualizados na última sexta-feira, dia 7. Também cinco anos depois, os pesquisadores acreditam que os principais estudos realizados acerca da covid-19 envolvem o desenvolvimento de vacinas e medicamentos mais eficazes em seu combate.
Rosemeri Maurici, professora do Departamento de Clínica Médica da UFSC, explica que “há muita pesquisa no sentido de identificação de variantes da covid-19, de cepas e de estudar, principalmente, a questão da virologia. Também o desenvolvimento de vacinas continua sendo um foco de pesquisa.” Esses não são, no entanto, os únicos focos. Para muitos dos pesquisadores, os olhares estão voltados para as marcas deixadas pela doença, sejam elas as sequelas de longo prazo sentidas pelos infectados, ou os impactos sociais, como o enfrentamento a crises de saúde pública ou as formas como a pandemia afetou aspectos econômicos do país. Nas palavras de Eleonora, o que ocorreu durante o período “não é uma coisa para ser esquecida, é uma coisa para a gente aprender com e melhorar as respostas.”

A professora Rosemeri, por exemplo, é especialista em pneumologia e faz parte de um grupo de estudos que procura entender, justamente, os efeitos a longo prazo deixados pela covid. A pesquisa avalia quais são as repercussões da doença, bem como seu tempo de duração, e são voltadas à análise de atividades da vida diária, mas também a aspectos como força muscular, equilíbrio e aspectos psíquicos, como sintomas de depressão e ansiedade. O projeto surgiu ainda durante a pandemia, financiado pelo CNPq, e se estende até hoje, com o objetivo de encontrar respostas mais definidas sobre os efeitos deixados pela doença.
Aspectos econômicos da pandemia
O professor Lauro Mattei, titular do curso de Economia da UFSC e coordenador do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat/UFSC), até o ano passado dedicou suas pesquisas aos impactos da pandemia sob aspectos econômicos e sociais. Ainda em maio de 2020, implementou o projeto “Análise dos impactos econômicos e sociais causados pelo novo coronavírus em Santa Catarina”, que se estendeu até 2022 com a realização de atividades abordando a pandemia dentro do contexto econômico brasileiro, e a produção de boletins e informes estatísticos sobre a evolução da doença no estado catarinense.

(Foto: UFSC/Divulgação)
Entre 2023 e 2024, o docente ainda desenvolveu o projeto “Análise dos impactos da pandemia sobre as condições sociais de Santa Catarina”, contemplado em um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Como, naquele momento, a pandemia já havia sido oficialmente declarada encerrada, a pesquisa se dedicava a estudar os efeitos deixados pelos eventos a partir de questões sociais.
Pesquisas em busca de respostas
Segundo os professores, mesmo com a passagem do tempo e o volume evidentemente menor de pesquisas sendo desenvolvidas a respeito da covid, ainda há um número relevante de pessoas envolvidas em buscar respostas para que os eventos não se repitam. A professora Rosemeri explica que “muitas respostas ainda carecem de maior investigação em relação principalmente à fisiopatologia, ou seja, a forma como o vírus se comporta dentro do organismo.”
Tanto ela quanto Eleonora seguem coordenando, ativamente, grupos de pesquisa que voltam os olhares para a covid. Já Lauro, apesar de, no momento, não estar mais acompanhando as repercussões da pandemia, enxerga a atuação de seus colegas e sua relevância. Para ele, ainda é preciso pesquisar a doença pelo “desenvolvimento de antídotos que inibem efetivamente a continuidade da propagação da virose em escala global.” É, também, a área na qual enxerga o maior movimento científico. “Me parece que o foco ainda está concentrado nos mecanismos de controle da virose, além do desenvolvimento de novas vacinas mais eficazes que as iniciais”, explica.
O professor ainda levanta uma questão acerca do contexto em que as pesquisas são realizadas atualmente, quando em comparação à época em que a pandemia estava acontecendo. De acordo com Mattei, o fator de urgência que envolvia a questão, especialmente durante os anos de 2020 e 2021, afetava a forma como as pesquisas eram encaradas. Na tentativa de enfrentar algo até então desconhecido, os pesquisadores precisavam, em suas palavras, “primeiramente compreender algo novo e, segundo, procurar buscar soluções o mais breve possível.” Com os casos sob controle e um entendimento maior sobre o vírus, há um espaço mais amplo para o desenvolvimento de trabalhos que estudem o assunto em profundidade.
As questões práticas do trabalho científico também são um ponto de importante destaque nesse sentido. Isso porque, no auge da contaminação pelo coronavírus, as pesquisas precisavam seguir determinadas medidas de proteção. O uso dos equipamentos exigidos para prevenir infecções, e as limitações de contato e deslocamento dos pacientes, foram restrições que, em alguma medida, afetaram a proporção dos estudos desenvolvidos pelos pesquisadores. Rosemeri diz que, agora, “embora ainda tenha o vírus circulando, não é o mesmo número que na pandemia, então precauções acabam sendo um pouco mais flexibilizadas, e isso facilita o nosso trabalho de coleta e de atendimento aos pacientes.”
Na pesquisa da professora Eleonora, que também exigia o contato direto com pacientes, a solução foi procurar métodos de adaptação. A solução encontrada, de realizar as entrevistas por telefone, também se provou como uma restrição ao trabalho na época. “Todos os pesquisadores que fizeram algum tipo de pesquisa naquela época se depararam com essa dificuldade, que é conseguir que as pessoas respondam uma pesquisa por telefone”, afirma.
Apesar do empecilho, o grupo seguiu com o trabalho que, hoje, se dedica a estudar questões gerais de saúde pública, ainda olhando para a covid. A docente explica que a pesquisa tenta fazer uma análise comparativa dos pacientes nos períodos antes, durante e após o fim da pandemia, observando os dados das entrevistas realizadas em 2019, a pesquisa de 2020 e 2021, e a nova rodada feita em 2023 e 2024. “Tenho uma aluna orientanda de doutorado que acabou de me mandar o trabalho dela, que é olhar o quanto que, por exemplo, o apoio social teve mudanças antes e depois da pandemia”, exemplifica a professora sobre os trabalhos ainda em desenvolvimento sobre o assunto.
“Continuar estudando isso é muito importante, tanto para entender o que aconteceu com as populações mais vulneráveis, como também para entender qual foi a resposta que foi dada, do governo, dos gestores e das várias pessoas que estão atuando nisso, pra gente ver se se aprendeu”, resume Eleonora, em relação à continuidade das pesquisas.
Para ela, trata-se de, não apenas continuar estudando o próprio vírus, mas os mecanismos de prevenção e enfrentamento a situações de crise, olhando para o que aconteceu ao longo da pandemia de covid-19 em busca de respostas sobre o que fazer e o que nunca mais repetir, bem como olhar para questões que, segundo ela, eram “problemas que já estavam lá e que não estavam sendo resolvidos”, como o próprio acesso de populações vulneráveis aos serviços de saúde. “Nenhum desses problemas surgiu com a pandemia. A pandemia só evidenciou”, ressalta.
“Essas coisas vão continuar acontecendo. O importante é que a sociedade esteja preparada para responder e, principalmente, para dar apoio para os segmentos da sociedade que são mais vulneráveis e que têm menos recursos para lidar com essas emergências”, resume Eleonora.
Importância do SUS
Nesse sentido, ela destaca, em especial, a importância do Sistema Único de Saúde (SUS), e de seguir investindo no trabalho de cientistas brasileiros, com o objetivo de manter e ampliar os recursos disponíveis para lidar com possíveis crises futuras. “Isso tudo é uma uma riqueza, uma preciosidade que a gente tem no Brasil e que precisa continuar e ser cada vez melhorada e aprimorada e fortificada”, diz a professora.
De forma geral, os pesquisadores, ainda que compartilhem visões semelhantes, têm perspectivas que diferem, em alguns graus, sobre o futuro. Rosemeri, partindo do princípio de que novas crises de saúde envolveriam agentes diferentes do coronavírus, e da onda de negacionismo que tomou o país nos últimos anos, é enfática em sua crença de que não estaríamos preparados para enfrentar uma nova pandemia. “Definitivamente não, a gente não está preparado, mas deveríamos estar. A lição dessa pandemia deveria ter sido aprendida”, diz ela, completando que “uma série de questões não foram adequadamente resolvidas.”
Mattei, observando a partir da resposta científica global para a pandemia, na busca por vacinas e mecanismos de controle, acredita que “novos desafios, que certamente ocorrerão, poderão ser atacados da mesma forma que a pandemia da covid-19 colocou para o conjunto da população do planeta.”
E Eleonora, olhando para a pandemia como uma forma dramática de aprendizado, acredita que estamos, sim, mais preparados para futuras emergências. O que não significa que não precisamos melhorar. “Por isso que tem um grupo que está sempre olhando para isso, estudando e tentando ver onde está falhando, o que pode ser ser modificado, para essa resposta ficar cada vez melhor, pra gente sofrer menos”, finaliza.
Laura Miranda
Imprensa Apufsc