Veto aos celulares contribui para que os professores recuperem protagonismo, diz especialista

Para Vivian Batista, a proibição dos dispositivos eletrônicos permite que os estudantes exerçam o desafio de pensar e construir conhecimento de maneira autônoma

A proibição do uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos em salas de aula virou lei em todo o país. Em dezembro de 2024, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, sancionou a Lei Estadual 18.058/24, que veta o uso desses aparelhos nas escolas da rede estadual. Pouco depois, em janeiro de 2025, foi a vez de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar a Lei Federal 15.100/25, estendendo a medida a todo o território nacional. As novas legislações têm como objetivo principal melhorar a concentração dos alunos e fortalecer o vínculo entre estudantes e professores. Elas determinam que celulares, tablets, relógios inteligentes e outros dispositivos com acesso à internet só podem ser utilizados em atividades pedagógicas autorizadas pelos professores ou por alunos com necessidades especiais que dependam da tecnologia assistiva.

Apesar de gerar polêmica, a proibição busca responder a preocupações crescentes com o impacto do uso excessivo de telas na saúde física e no desempenho escolar dos jovens. Médicos e especialistas em saúde mental têm alertado para riscos como lesões por esforço repetitivo, fadiga ocular, prejuízos no desenvolvimento motor e impactos no convívio social.

Aprendizagem

Para Vivian Batista, professora da Faculdade de Educação (FE) da USP e diretora da Escola de Aplicação na mesma instituição, esse uso exacerbado da tecnologia interfere também na aprendizagem, já que o processo de aprender decorre de interações. Ela conta que, caso uma pessoa passe muito tempo em frente às telas, as interações ficam em segundo plano.

Segundo a docente, a presença constante de respostas rápidas e prontas na internet pode criar uma falsa impressão de aprendizado, mas, na realidade, os alunos não aprendem desse jeito. Para ela, o desafio de aprender está em cultivar a construção ativa do conhecimento, algo que exige esforço, reflexão e troca com colegas e professores.

Uso consciente

Ainda assim, a especialista pondera que os dispositivos eletrônicos não devem ser vistos como vilões. Em sua visão, a tecnologia pode favorecer a aprendizagem e promover interações positivas, desde que bem conduzida por educadores preparados e utilizada de maneira consciente pelos estudantes.

“O celular não é bom ou mau por si só. Tudo depende do uso que se faz dele, porém parece que ainda precisamos aprender como lidar com isso. Não é possível que o celular substitua o professor, nem a escola, enquanto espaço físico e de relações”, ressalta. 

Para a diretora da Escola de Aplicação da USP, a chave está em garantir que o protagonismo da sala de aula continue sendo do educador. “Não há celular, não há dispositivo que possa substituir um professor. É o professor quem decide, regula as aprendizagens e compreende as necessidades de cada aluno”, defende.

Legislação

Conforme a docente, as leis, se bem implementadas, podem representar uma oportunidade de repensar as práticas pedagógicas e de revalorizar o papel do professor. Para ela, é uma chance de explorar outras ferramentas e metodologias, garantindo que o professor tenha autonomia para escolher os recursos mais adequados a cada turma.

Vivian Batista reforça que a sensibilidade pedagógica não pode ser reproduzida por um recurso digital padronizado. “Nenhum dispositivo será capaz de lidar com a diversidade de uma sala de aula como o professor faz, entendendo o ritmo, as dúvidas e o contexto de cada estudante. Mais do que restringir é preciso orientar. A lei pode abrir esse caminho, desde que venha acompanhada de políticas de apoio e escuta às comunidades escolares”, esclarece.

Fonte: Jornal da USP