Participação da iniciativa privada vai aprofundar desigualdade e caos da vacinação no Brasil

Pesquisadores defendem fila única pelo SUS para que imunização seja capaz de desafogar hospitais, mostra o El País

A sinalização do Governo Federal de que não deverá apresentar objeções à compra de vacinas contra a covid-19 pela iniciativa privada pode trazer prejuízos sanitários ao país em um cenário de escassez global dos imunizantes. Especialistas apontam que o Governo precisa garantir a compra de doses suficientes para proteger a sua população e seguir uma fila única de prioridade para garantir que as populações mais vulneráveis sejam vacinadas primeiro, desafogando o sistema de saúde e estancando a dura marca de mais de 1.000 mortes diárias que o país enfrenta.

Fugir dessa fila única, avaliam, pode ampliar a já caótica campanha de vacinação brasileira. Sem coordenação nacional efetiva ou previsão sólida da chegada de novos lotes pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), Estados têm tomado suas próprias decisões sobre quem vacinar primeiro diante da baixa quantidade de doses disponíveis e tentam eles mesmos negociar novos estoques diretamente com laboratórios enquanto cobram o Governo por um cronograma.

O Governo Federal distribuiu até o momento pouco mais de 7,33 milhões de doses aos Estados. Outras 4,98 milhões estão em trânsito, segundo o Ministério da Saúde. A soma supera 12 milhões de doses dos imunizantes da AstraZeneca/Fiocruz e da Sinovac/Butantan ―suficientes para vacinar apenas uma pequena fatia dos 210 milhões de habitantes do país, considerando o regime de duas doses de cada imunizante.

O Governo Bolsonaro já disse não apresentar objeções a uma eventual negociação de 33 milhões de doses da vacina da AstraZeneca por empresas privadas. Metade dessas doses seriam doadas ao PNI “a serem aplicadas seguindo o calendário geral estabelecido pela pasta” e as demais estariam restritas à imunização dos funcionários destas empresas, “respeitando os grupos prioritários estabelecidos pelo Ministério da Saúde, sem nenhum escopo comercial”, segundo nota do Governo.

O debate em torno dessa possibilidade levou a própria AstraZeneca a se apressar em negar que esteja negociando com o setor privado nesta semana. A farmacêutica sofre pressão da União Europeia para cumprir o calendário de entrega das doses. A Pfizer também já emitiu nota afirmando que, neste momento, negocia apenas com Governos. As principais entidades privadas do país também se pronunciaram. O presidente do Hospital Albert Eistein, Sidney Klajner, vê chances de que vacinas contra a covid-19 cheguem a redes privadas de saúde no início do segundo semestre ainda que defenda que isso só ocorra quando o problema de escassez de doses seja superado, segundo O Globo.

Já nesta sexta-feira, o Comitê de Bioética do Hospital Sírio-Libanês emitiu parecer contrário à participação do setor privado na vacinação. “Ao desrespeitar uma fila única para um bem escasso e necessário a todos, priorizando indivíduos com maiores privilégios ou maior poder em detrimento de indivíduos que possam mais se beneficiar, compromete também a solidariedade que gera a coesão social necessária para viver em sociedade”, diz o texto.

Leia na íntegra: El País