Servidores apostam em formação permanente para modernizar a máquina estatal

Montar equipes de funcionários dinâmicos, capacitados e com foco em resultados é o sonho de qualquer empresário. Jovens com esse perfil, porém, estão procurando cada vez mais o setor público – atraídos não apenas pela velha estabilidade no emprego e por salários em alta, mas pela vocação de servir à comunidade.

Eles se dispõem a ser a elite do funcionalismo, em todos os níveis de governo. Para combater a imagem de que o candidato ao serviço público quer, no fundo, se encostar, apostam no aperfeiçoamento profissional, muitas vezes com pós-graduações no exterior, e usam termos típicos da iniciativa privada, como resultado e cliente.

Mestrando em políticas públicas em Harvard, nos Estados Unidos, o paraibano Pedro Henrique de Cristo, de 27 anos, pretende engrossar o exército dos mais de 10,1 milhões de funcionários públicos do País, segundo estimativa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no ano passado. Com um interesse precoce pela política – leu O Príncipe, de Maquiavel, aos 11 anos -, Pedro descobriu ainda durante a graduação em Administração, na Universidade Federal da Paraíba, que tinha de arregaçar as mangas para defender o chamado bem comum.

“Tinha muita corrupção no centro acadêmico. Ninguém prestava contas para ninguém. Além disso, a cada seis meses havia greve na universidade.”

Nessa época, 2006, Pedro era estagiário da prefeitura de João Pessoa. Ele e os colegas começaram a reivindicar melhorias na universidade. Fizeram tanto barulho que o prefeito Ricardo Coutinho convidou-os para uma conversa. “Ele ficou falando de como era difícil fechar as contas de água, luz, as folhas de pagamento.”

Pedro sugeriu montar uma equipe só de universitários para analisar o problema das contas. O prefeito topou, com uma condição: que eles reduzissem os gastos em R$ 300 mil em três meses. “Conseguimos alcançar a meta em um mês.”

Pedro conseguiu uma bolsa da Fundação Estudar para fazer o mestrado em Harvard. Quer voltar ao Brasil – e ao funcionalismo. “Já tomei a decisão, quero mudar o jogo. O Brasil está num momento importante e eu acho que não seria bom em outra área.”

Guinada

Mudar o jogo, no atual estágio do setor público, significa, entre outras coisas, criar um padrão de eficiência. É a isso que se propõe Luiz Claudio Marques Campos, de 33, recém-aprovado em um concurso federal para admissão de especialistas em políticas públicas e gestão governamental.

Nascido em Passos (MG) e formado em Direito pela USP, Campos desistiu de trabalhar em um escritório de advocacia e de prestar concurso para carreiras jurídicas, como magistratura e Ministério Público, disputadas por causa dos salários e benefícios generosos. “Advoguei em escritório, mas estava infeliz. Lá, concordando ou não, eu tinha que defender empresas”, diz Campos.

O advogado deu uma virada na carreira depois de se matricular num curso sobre as relações do terceiro setor com o governo, na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. “Foi um choque, no bom sentido. Descobri que havia toda uma área para começar a olhar no Brasil.”

Campos largou o escritório de advocacia e passou a trabalhar no terceiro setor, às vezes como voluntário. Teve passagens por diversas ONGs até perceber que, para continuar trabalhando para o público, precisava de um salário decente. A carreira que escolheu tem um piso nada desprezível, de R$ 12,4 mil. O teto chega a R$ 17,3 mil.

Wharton

Sete anos mais velho que Campos, Mateus Affonso Bandeira é funcionário do governo gaúcho desde 1993 e chegou a comandar a Secretaria de Planejamento e Gestão – hoje preside o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul). Está na área há tempo suficiente para considerar perigosa a estabilidade, um dos fatores de atração da carreira pública, porque “permite a acomodação”.

Graduado em Informática pela Universidade Católica de Pelotas, Bandeira já fez de tudo no funcionalismo estadual. Vindo do setor privado – trabalhava com Tecnologia da Informação -, ele começou ajudando a modernizar a rede de informática da Secretaria da Fazenda. “Fomos pioneiros na nota fiscal eletrônica. A primeira foi emitida em 2006.”

De lá para cá, Bandeira diversificou suas atividades – licenciou-se do cargo para montar o setor de TI da Companhia Estadual de Energia Elétrica, depois migrou para a área de negócios da estatal. Criou até uma empresa de telecomunicações dentro da companhia. “Era um negócio totalmente novo.”

Para conhecer melhor a área de negócios, Bandeira procurou capacitação fora do País. Fez MBA numa das escolas mais famosas de finanças, a americana Wharton – estar em constante capacitação é, aliás, uma característica comum aos jovens gestores públicos.

Mérito

“O serviço público anda mais atraente, e acabou interessando a gente boa também. Mas falta um sistema de incentivo maior”, lamenta Bandeira. Para ele, programas de meritocracia deveriam ser a norma no setor, não a exceção. “Se a gente não premiar o mérito, acaba premiando a mediocridade.”

Para vencer a mediocridade, o caminho, na maioria das vezes, é o da capacitação. Há algumas “ilhas” no setor público preocupadas com isso. Em 2009, passaram pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), em Brasília, 32 mil servidores. A maioria fez cursos a distância, mas 12 mil frequentaram as aulas.

Criada em 1986, a escola ensina como montar pregões eletrônicos e peças orçamentárias. Também tem aulas que lembram as ministradas em empresas privadas – como “ser líder e gerente proativo”. “Devemos fazer política de desenvolvimento permanente, porque não basta fazer um curso logo no início e depois não fazer mais nada”, diz Helena Kerr do Amaral, presidente da Enap.

Alguns cursos são reconhecidos pelo MEC, como a especialização em gestão pública. Outros servem como etapas eliminatórias em concursos.

Ocupante de um cargo de confiança do Ministério da Justiça, Felipe de Paula, de 27 anos, teve de passar pela Enap ao ingressar na carreira de especialista em gestão pública.

“É um curso bem completo. Em seis meses, temos ferramentas práticas, avaliação e monitoramento de políticas públicas”, conta Felipe. Graduado em Direito pela USP, ele está no governo desde 2006. “Me encantei com o trabalho. Acho que minhas características têm mais a ver com a vida pública do que com a advocacia.”

Para Luiz Palma, assessor de Relações Institucionais da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), ligada ao governo paulista, o encantamento inicial durante a fase da capacitação pode desembocar em frustração.

Paradoxo

“É uma condição paradoxal que vivemos na administração pública”, diz Palma. “Formamos gestores com modelos maravilhosos – competição, criatividade, rapidez. Mas, na prática, eles vão trabalhar com a rigidez do direito público, que tolhe o setor.”

Essa contradição não desanima Quéren Colnago, de 19 anos, aluna do 2º ano de Administração Pública da FGV em São Paulo. De olho no setor público, Quéren trabalha na consultoria júnior da faculdade, onde tem clientes como o Ministério Público Federal e a Prefeitura de São Paulo.

Na FGV, Quéren tem lições sobre como “fazer com que o meio para alcançar o resultado seja o menos burocrático possível”. “Também temos aula de psicologia, para motivar as pessoas. Deve ser difícil lidar com a bagagem de estereótipos de que servidor não trabalha.”

Diretora da Escola de Administração da FGV, Maria Teresa Fleury diz que o curso de Administração Pública sofreu mudanças ao longo do tempo, incorporando técnicas da administração privada. “Antes se discutia o que era o Estado, as teorias políticas”, diz. Hoje, as aulas são mais voltadas para resultados práticos.

Professor do primeiro curso de Administração Pública do País, o da Fundação Getulio Vargas do Rio, criado em 1952, Paulo Motta acha que houve equívocos na formação de servidores nesse período. “Os estudantes iam estudar grandes temas pensando que iriam liderar, virar grandes ministros.”

A chefe do Departamento de Gestão Pública da FGV em São Paulo, Maria Rita Loureiro ressalta que, embora tenha adquirido traços do mundo privado e se modernizado, a administração pública sempre terá uma lógica própria. “Se na empresa, o lucro é que permite sobrevivência, no setor público, impera o interesse público.”