Alunos de pós cruzam os braços

O engenheiro Alan Godoy Mello, de 27 anos, rejeitou proposta de emprego do Google, morar na Califórnia e ganhar US$ 6 mil. Preferiu continuar o doutorado na Unicamp, com uma bolsa de R$ 1,8 mil. “Acredito que estou fazendo algo de importante para meu País. Quero ser professor universitário. Mas toda hora que aparece uma oportunidade eu fico na dúvida se vou ou não.”

APG Unifesp/DivulgaçãoProtesto na Unifesp, em São PauloAlan hesita principalmente quando pensa no valor do auxílio que recebe da Capes, uma das agências de fomento à pesquisa do governo federal – a outra é o CNPq. “Tenho quase 30 anos e preciso pedir ajuda aos meus pais de vez em quando”, reclama. Nesta quinta-feira, 29, ele participou da paralisação nacional dos pós-graduandos, cujo objetivo era pressionar o governo a reajustar as bolsas, congeladas há quatro anos em R$ 1,2 mil (mestrando) e 1,8 mil (doutorando).

A greve foi convocada pela Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), que cobra aumento de 40% no valor das bolsas. “Conseguimos mobilizar universidades importantes em todo o País, com atos simbólicos muito significativos”, avalia a presidente da entidade, Elisangela Lizardo, de 32. Ela faz doutorado em Educação na PUC-SP.

Segundo a estudante, até a situação dos orientadores está complicada. “Está difícil segurar orientando com uma bolsa nesse valor”, diz Elisangela. “E a gente não considera justo comparar o aumento na quantidade de bolsas para justificar o congelamento dos auxílios, porque o pesquisador precisa receber decentemente para se dedicar com mais afinco às suas atividades.”

O doutorando em Ciências Agrárias Anderson de Carvalho Silva, de 28, também cruzou os braços nesta quinta. Para ele, o investimento em estudantes com um nível de instrução mais elevado está “aquém do necessário”. “E às vezes a gente ainda precisa usar a grana da bolsa para arcar com custos da pesquisa”, conta Anderson, bolsista da Capes na Universidade Estadual de Feira de Santana.

Victor Guimarães, de 24, não parou a pesquisa porque, segundo ele, o movimento nacional foi “mal divulgado” na Federal de Minas Gerais (UFMG). “Se eu soubesse da greve, com certeza apoiaria. O bolsista precisa fazer gambiarras para sobreviver”, afirma. Ele faz mestrado em Comunicação e divide apartamento com outros dois amigos mestrandos. “Talvez não conseguiria morar sozinho. O salário mínimo sobe todo ano, o custo de vida também, e as bolsas não sobem.”

Foi justamente com a hashtag #MinhaBolsaNaoAumentou que os pós-graduandos fizeram um twittaço nesta quinta, para chamar a atenção da sociedade. A palavra-chave chegou a ficar entre os assuntos mais comentados do Twitter.

Solidariedade

Na USP, onde grande parte dos pós-graduandos é bolsista da Fapesp – e recebe um pouco mais do que seus colegas financiados por agências federais – os alunos do Instituto de Química paralisaram as atividades nesta tarde.

Segundo o doutorando Bruno Queliconi, de 25 anos, cerca de 40 pessoas se reuniram para discutir o incentivo à pesquisa no País e pedir à direção do IQ que interceda pelos estudantes nos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia.

“Não dá para um mestrando viver em São Paulo ganhando R$ 1.200,00. Ele teria de morar em república e comer em bandejão”, diz Bruno. “Considerando que nos últimos anos a inflação não foi baixa, fica difícil alguém mais pobre fazer pós com esse salário.”