Bebeto Marques fala ao jornal Notícias do Dia sobre atuação dos professores na quarentena

Presidente da Apufsc falou também sobre questões relacionadas ao ensino remoto na universidade

Na semana passada, o jornal Notícias do Dia publicou uma reportagem em que entidades empresariais ligadas ao movimento Floripa Sustentável criticavam a demora da UFSC em implementar o ensino remoto. Mais uma vez, a referência aos professores foi desrespeitosa. A coordenadora do Floripa Sustentável, Zena Becker, declarou: “a universidade parou no tempo, mas os salários estão rigorosamente em dia”.

Assim como fez com a NSC, quando o jornalista Renato Igor disse que os docentes ganhavam sem trabalhar, a Apufsc buscou um espaço para se manifestar. Na edição desta segunda-feira (8), o jornal traz uma entrevista com o presidente da Apufsc, Bebeto Marques, ao lado de uma nova reportagem sobre a situação da UFSC, em que quem responde pela universidade é o chefe de gabinete Aureo Moraes.

Alguns trechos da entrevista do presidente da Apufsc foram editados na versão impressa do jornal. Abaixo, você confere as respostas na íntegra enviadas ao ND:

Como os professores da UFSC têm atuado durante a pandemia?
Devido à necessidade do distanciamento social e às normativas que obrigaram a suspensão das atividades, passamos a trabalhar em casa, usando nossos próprios meios digitais. Mantivemos algumas atividades administrativas, os projetos de pesquisas, as orientações de mestrado e doutorado, e projetos de extensão. Muitas pesquisas voltaram-se ao apoio do sistema de saúde no enfrentamos da Covid-19. Ajudamos, por exemplo, na produção de EPIs, álcool em gel, respiradores mecânicos e nas testagens ao coronavírus. Nossos professores da área médica, enfermeiros, bioquímicos estão na linha de frente em hospitais. Nosso Escritório Jurídico Modelo continua trabalhando no atendimento à população. Nossa Farmácia escola já atendeu mais de 6 mil pessoas nesses 3 meses de pandemia. Portanto, não estamos em férias remuneradas ou recebendo sem trabalhar, como alguns maldosamente afirmam, ferindo nossa dignidade pessoal e profissional.

Por que não há condições de fazer uma adaptação para o ensino remoto?
O ensino remoto não é apenas digitalizar os conteúdos teóricos das disciplinas e enviar um e-mail aos alunos. Exige que professores e alunos tenham equipamentos, plataformas e boa rede de internet para as aulas em salas virtuais, com 25 a 30 alunos. Algumas disciplinas inclusive têm partes práticas, em laboratórios e em locais onde se desenvolvem atividades econômicas, indústrias, serviços, agricultura e escolas. São 2.650 docentes e cerca de 29 mil alunos de graduação, 11 mil de pós-graduação e 1,2 mil na educação básica. Colocar esse universo de alunos em atividades de ensino remoto exige planejamento e acima de tudo suporte tecnológico que as universidades federais não possuem. O MEC reduziu em 10 vezes o dinheiro para compra e manutenção de equipamentos e de prédios, disponibilizando apenas R$ 5 milhões para toda a UFSC em 2020. Os recursos de custeio (higiene, limpeza, luz, segurança etc.) diminuíram em 11% este ano e equivalem ao que recebíamos em 2010. Assim,a universidade vai ficando sucateada. Por outro lado, o perfil socioeconômico de nossos alunos mudou com as cotas, ENEM e SISU. A metade dos estudantes das universidades federais vem de famílias de baixa renda, com rendimentos de até 1 salário mínimo por pessoa, segundo a Associação de Reitores (Andifes). Isso indica que, muito provavelmente, esses alunos não terão condições de participar das aulas remotas. Parece uma escolha de Sofia: alguém vai ter que ser excluído. Essa é a triste realidade causada por políticas educacionais irresponsáveis de corte orçamentários.

Como tem sido o diálogo entre professores e reitoria?
Universidades são estruturas pesadas, com múltiplas instâncias de gestão e que por vezes levam tempo para alterar suas dinâmicas de funcionamento. Mas alguns professores especialistas da área de epidemiologia da própria UFSC têm assessorado a Reitoria nas suas decisões desde o início da pandemia. Mais recentemente a Reitoria decidiu organizar comitês e subcomitês para planejar as fases de retorno que levam em consideração a situação epidemiológica e restrições sanitárias, as quais trazem implicações às escolhas nas formas e níveis de ensino (modelo didático das atividades). É nessa fase inicial, de planejamento, que nos encontramos. Nessa nova estrutura fazem parte as entidades estudantis, de técnicos-administrativos e de professores (Apufsc). Nós recolhemos propostas dos professores e as apresentamos à reitoria como sugestão de organização acadêmica (curricular e didática) de retorno. Esperamos sejam consideradas pois permitirá que esse primeiro semestre se desenvolva, por meio do ensino remoto, em paralelo ao semestre 2020.2, com turmas especiais (de Proficiência) que podem gradativamente serem reincorporadas ao fluxo normal dos semestres que virão. Alertamos, contudo, para as consequências segregativas que pode acontecer caso não sejam oferecidas as condições, principalmente aos alunos. Mas, nosso compromisso é o de oferecer os conteúdos de ensino na forma e no tempo que a instituição decidir.

Da mesma maneira, como os professores têm se comunicado com os alunos?
Temos tentado nos comunicar via internet, mas nem todos respondem. Usamos a plataforma institucional Moodle, a qual serve para múltiplas funções, como o registro de frequência, envio de mensagens e textos, mas isso funciona bem no sistema presencial, quando os alunos estão na UFSC, isto é, nas cidades próximas aos seus 5 campi, e usam a rede de internet institucional (eduroam).

De que forma os professores podem contribuir durante a pandemia para reduzir a desigualdade entre os estudantes e garantir o ensino?
Nós não fornecemos equipamentos ou sem somos provedores de internet, mas sim responsáveis por organizar o material didático, ministrar aulas e auxiliar os alunos na aprendizagem. A responsabilidade maior em dar condições de ensino é da instituição, que recebe recursos do MEC. Se são insuficientes, tem a obrigação de cobrar soluções do Ministro Weintraub, até porque ele as prometeu, mas ficou apenas no anúncio. As universidades públicas paulistas têm nos mostrado que o ensino remoto lá praticado durante a pandemia excluiu muitos alunos por falta de equipamentos de informática e internet. Nós faremos o que estiver ao nosso alcance para minimizar as dificuldades ao diálogo virtual com os alunos. Educar não é o mesmo que informar, envolve relação dialógica entre professor – aluno sobre o que precisa ser conhecido e aprendido.

O que a Apufsc pode dizer para quem cobra o retorno imediato das atividades?
A sociedade tem o direito de ser informada sobre os motivos do não retorno das aulas. Estamos certos que ela compreenderá as dificuldades e precauções para evitarmos exclusões ao direito à aprendizagem. Esperamos também o apoio da sociedade na cobrança aos que têm responsabilidade maior em dar as condições de trabalho aos docentes e o suporte aos alunos. Quando a comunidade universitária foi às ruas, em 2019, para protestar contra os cortes de verbas para a educação e a ciência, infelizmente não escutamos a voz de apoio daqueles que hoje criticam duramente a UFSC. O que houve foi muita indiferença. É bom lembrar que é justamente a partir das universidades públicas que, no mundo, se lideram as buscas por maneiras de tratar e prevenir a Covid-19. A UFSC tem 60 anos de bons serviços ao povo catarinense e brasileiro, tem formado as lideranças profissionais em todas as áreas e é uma das melhores do país, respeitada no mundo todo. De uma hora para outra, especialmente depois que o governo Bolsonaro assumiu, as universidades federais e a ciência que nela se desenvolve (cerca 90% da ciência brasileira) passaram a não prestar mais. É muito triste e preocupante o que está acontecendo, parece que caminhamos para o obscurantismo.