Pesquisadora da UFSC integra conselho editorial de revista do grupo Nature

Professora Regina Rodrigues vê a oportunidade como um modo de ajudar a pesquisa do Brasil

Oportunidade para a pesquisa de ponta da área de geociências produzida no Brasil e América do Sul: é assim que a professora da UFSC Regina Rodrigues (Coordenadoria Especial de Oceanografia) avalia sua indicação para compor o Conselho Editorial da revista Communications Earth & Environment, da nova série de periódicos open source do grupo Nature. Ela é a única da América do Sul no comitê composto por cientistas da Europa, Ásia, América do Norte e Oceania. O escopo da revista, aponta Regina, “são todas as áreas das ciências da Terra e planetárias, de atmosfera a oceanos, da hidrologia à geologia. Inclui todos os aspectos do sistema terrestre e clima, principalmente meio ambiente”.

O convite para participar do processo seletivo veio no final de julho, num e-mail explicando a proposta da revista: “Achei interessante, além dos benefícios e responsabilidades como membro do Editorial Board (em ver como as decisões são tomadas), a oportunidade de ajudar a pesquisa do Brasil. A Communications Earth & Environment quer construir a revista com a comunidade científica: ajudar a guiar a direção do editorial da revista, conversar com autores e leitores, particularmente da nossa área geográfica, sugerir conferências, visitas em laboratórios, escrever editoriais sobre assuntos regionais que não recebem tanta atenção”, exemplifica Regina. Após uma entrevista por telefone de quase uma hora com a editora-chefe do periódico, Heike Langenberg, a resposta positiva veio no início de agosto e começo oficial, em 1º de outubro.

Agora, a cientista da UFSC realiza o treinamento para manusear os sistemas da revista – ela terá de lidar com até cinco papers por mês na área de clima, dinâmica da atmosfera e oceanos, decidir com os outros colegas se um artigo vai ou não para revisão, achar revisores, fazer a comunicação entre revisores e autores, além de trabalhar com os três editores in-house da publicação.

O contato inicial dela com Heike Langenberg foi quando publicou um artigo na Nature Geoscience – o processo entre a submissão e publicação do artigo demorou seis meses. “Foi quando conheci ela profissionalmente”, diz Regina. Logo em seguida, o periódico publicou um relatório destacando a importância da diversidade no processo de revisão dos pares em suas páginas: mulheres são 22% dos autores e pessoas da América do Sul são mais raras ainda, apenas 1%. “A ideia da Drª Heike e do grupo Nature é a inclusão de pessoas de diferentes países e gêneros para aumentar a diversidade no processo científico. Na entrevista ela disse que, além de eu ter um excelente histórico de publicações, queria construir um Comitê Editorial diverso”, fala a professora da UFSC.

Este enviesamento do processo, Regina enfrentou quando tentou publicar um artigo na revista Nature Climate Change, do mesmo grupo. O editor informou, como motivo para a recusa, que o artigo sobre o sistema de monções da América do Sul e ondas de calor marinhas no Oceano Atlântico era “muito regional”. Na mesma época, a revista editou um artigo sobre algum aspecto climático de Alberta, uma província no Canadá. “É difícil não achar que tenha um pouco de preconceito. Quando tentei na Nature Geosciences, Drª Heike aceitou. É uma especulação minha, mas acho que uma editora mulher já tem mais esse tipo de preocupação”, opina.

A professora da UFSC não tem um mandato definido no Conselho Editorial da Communications Earth & Environment, e vai esperar um pouco para sentir qual liberdade editorial terá. “Tenho ideias minhas para a direção editorial, mas nunca trabalhei como editora”. Os problemas atuais do Brasil, como secas e desmatamentos na Amazônia e no Pantanal levando a queimadas, bem como a derrubada de proteções ambientais em mangues e restingas, podem ser foco de editoriais ou uma carta. “Poderia contatar pessoas que trabalham no Brasil para falar sobre o impacto disto. Com meu conhecimento, uma de minhas funções seria ajudar autores”, frisa.

“Às vezes não é a qualidade da ciência, e sim a maneira como escrevem”, pondera a pesquisadora: “A Nature tem uma estrutura diferente, é preciso contar algo em termos de história, uma narrativa. É diferente do que estamos acostumados com introdução, metodologia, resultados e conclusões”. Regina destaca, com sua experiência, que para submeter a essas revistas, “a carta de rosto já deve dizer por que seu trabalho é importante. São detalhes que podem fazer a diferença no aceite para a revisão”. Ao abarcar a diversidade de editores, frisa a cientista, o periódico terá a chance de apresentar mais trabalhos da região.

A língua já é um obstáculo natural, constata Regina. “Quem nasceu nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Austrália tem a desenvoltura natural (do inglês) para escrever. Tudo conta, mesmo que haja várias empresas que façam a revisão”. Ela já viu diversos trabalhos que poderiam ser publicados na Nature, mas que não foram levados adiante. “É um desperdício, o pessoal desiste, porque dá trabalho só na escrita, não é nem o resultado (científico). É escolher as figuras, como vai apresentá-las para contar esta história”, assegura, lembrando que já viu “trabalhos fantásticos” sendo publicados de forma fragmentada por conta das exigências da pós-graduação brasileira. “Para a vida científica destas pessoas, funciona, mas a pesquisa brasileira perde. A gente tem que mudar esta percepção de que o brasileiro não é bom o suficiente, quebrar estes preconceitos para avançar e ser mais respeitado. Tem vários caminhos, esse é o que sigo”.

A pesquisadora também lembra o preconceito de gênero na ciência em geral, e na brasileira em particular. “A quantidade de bolsas PQ 1A do CNPq é mínima para as mulheres. À medida que você sobe na carreira, o funil vai apertando mais”, critica. Ela diz que isso começa desde crianças, com estímulos diferenciados para meninas e meninos. A diversidade de backgrounds deve incluir não só pessoas de diferentes gêneros, mas também de diferentes regiões e condições socioeconômicas, que tenham vivências e visões diferentes. “Só vamos resolver os problemas complexos da sociedade, como as mudanças climáticas, com ideias e visões diferentes”, alerta.

Ao integrar o Conselho Editorial do periódico, Regina crê em abrir portas para outros cientistas brasileiros que apresentem bons trabalhos: “Não é por falta de capital humano. Considerando nossa situação limitada, estamos até bem, se colocarmos na balança a falta de dinheiro, incentivo e infraestrutura. Imagina o que a gente conseguiria se tivesse mais”. Ela finaliza ressaltando que “os critérios científicos vão ser os mesmos, não posso garantir que tudo vai ser aceito, mas aquela barreira do preconceito vai ser eliminada”.

Fonte: Agecom UFSC