Novas políticas da Meta “são incompatíveis com a ideia de democracia”, diz pesquisador da UFSC

Mudanças na regulação de conteúdo das redes administradas pela empresa foram anunciadas no início do ano

“As plataformas hoje são um perigo. Elas são incompatíveis com a ideia de democracia como a gente construiu nos últimos séculos”, afirma Rogério Christofoletti, professor e pesquisador no Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sobre as novas políticas de conteúdo anunciadas pela Meta. Segundo ele, as mudanças não apenas colocam em risco a democracia brasileira, mas representam uma “ameaça a todas as outras democracias.”

O fundador e CEO da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou mudanças no dia 7 de janeiro (Imagem: Reprodução/Apufsc)

A análise do professor parte dos eventos que se estenderam ao longo das últimas semanas a respeito da empresa responsável pelo controle de redes como WhatsApp, Instagram e Facebook. No dia 7 de janeiro, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, publicou um vídeo em que comunicava o novo posicionamento da empresa em relação ao controle de conteúdo nas plataformas. Entre os principais pontos, estão a eliminação dos fact-checkers – substituídos pelo sistema de notas da comunidade -, e as mudanças que monitoram violações de políticas das redes. Outras alterações incluem a retomada de postagens acerca de debates políticos e o fim das restrições sobre determinados temas, como imigração e questões de gênero.

Rogério Christofoletti, professor e pesquisador no Departamento de Jornalismo da UFSC (Foto: Divulgação/Apufsc)

Assim que as medidas foram anunciadas, questionamentos a respeito da confiabilidade do novo sistema e seus desdobramentos no atual contexto político mundial começaram a surgir. Segundo as observações de Christofoletti, o problema surge no momento em que não há modo de verificar o funcionamento das ferramentas. “Nós não sabemos como funcionam os algoritmos. Nós não sabemos se os algoritmos escutam o que a comunidade quer dizer”, afirma. “O risco é que nós temos que acreditar neles. Essas plataformas não são auditáveis, não são controláveis”, acrescenta.

O professor ainda explica que, nos últimos tempos, a tendência tem sido justamente a falta de transparência. Com a recusa das plataformas em fornecer dados para jornalistas e pesquisadores, o trabalho de acompanhar a forma como funcionam e, a partir disso, verificar a validade de suas ferramentas de monitoramento de conteúdo, torna-se uma dificuldade que coloca os próprios valores democráticos em cheque. Nas palavras de Christofoletti, as sociedades ficam em risco de se tornar subjugadas a um governo das plataformas, que detêm controle sobre os fluxos de informação que as orientam. “Eles não têm votos, mas eles têm poder”, define.

Alinhamento das big techs ao governo Trump

A relação das mídias com o poder político, inclusive, também foi colocada em pauta diante do anúncio da Meta, em seu claro reposicionamento sob o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos. Durante a cerimônia de posse do novo presidente, que ocorreu no dia 20 de janeiro, Zuckerberg apareceu ao lado de outros grandes donos de big techs – como Jeff Bezos e Elon Musk – nas primeiras fileiras da plateia.

Para Christofoletti, essa presença, assim como as novas normas da Meta, foram as formas de sinalizar ao mundo o alinhamento de interesses entre os empresários. “Nós temos o que a esquina que junta a rua dos interesses comerciais, econômicos, financeiros, e a rua que tá ligada aos interesses políticos”, explica.

Esse posicionamento, por sua vez, surge num contexto de conflito entre as plataformas e governos mundiais. Uma disputa de poder entre governos federais e as grandes empresas. “Esses conglomerados juntos têm poder de dinheiro, de ativos, superiores a mais de uma centena de países juntos, então, por que eles vão seguir a lei desses países?”, reflete Christofoletti.

No ano passado, por exemplo, o X – antigo Twitter, rede agora de Elon Musk – ficou suspenso no Brasil por cerca de um mês devido ao descumprimento das leis locais. Somente depois de a empresa seguir as medidas determinadas por Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a rede voltou a funcionar no país.

Para explicar essa discussão, o professor usa o conceito da soberania digital: “construir dentro do Brasil um espaço virtual em que nós sejamos soberanos.” “Nós estamos falando da democratização do imaginário das pessoas, dos dados das pessoas, dos interesses das pessoas em se informar, se entreter”, explica o pesquisador. O interesse comercial das empresas, e seu influente poder midiático, entram, então, em conflito direto com as leis que orientam as nações. Segundo Christofoletti, surge o debate sobre o valor da Constituição Federal em contraponto aos termos de uso das plataformas, culminando em situações com a do X. O alinhamento das redes aos interesses políticos do governo Trump garante, dessa forma, a liberdade de atuação das empresas na maior potência global.

“Os interesses do governo Trump, ao meu ver, são de concentrar os grandes players do capitalismo mundial no Ocidente, e os interesses das plataformas são estarem muito ligadas ao governo da maior potência econômica e militar do planeta”, descreve. O professor ainda diz o que espera dessa relação, prevendo que “o governo Trump não vai fazer nada para regular esse mercado, vai deixar que esses players continuem atuando sem regras”, e “essas plataformas vão beneficiar os interesses do governo Trump, de um governo de extrema-direita.”

Preocupações em debate

No dia 22 de janeiro, a Advocacia Geral da União (AGU) realizou uma audiência pública com pesquisadores e membros da sociedade civil para discutir as novas políticas da Meta. Os representantes da empresa, que também foram convidados, não compareceram.

AGU realizou audiência pública em Brasília sobre o assunto (Foto: Emanuelle Sena/AGU/Apufsc)

O ministro da AGU, Jorge Messias, disse na audiência que o Estado não vai se omitir após decisões da empresa. “A omissão não é uma opção para este governo. Estamos preocupados em proteger a sociedade brasileira”, afirmou. Ele defendeu que o Estado é responsável pela segurança não apenas nas ruas. “Nós temos o compromisso de segurança em todas as vias, inclusive nas digitais”.

Durante a reunião, foram levantadas preocupações com as consequências das normas de conteúdo para grupos já vulnerabilizados, e a ameaça que representam para a sociedade democrática. Uma das pesquisadoras presentes, Rose Marie Santini, que também é diretora do laboratório de estudos de internet da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chegou a comentar que “o discurso das empresas induz a um entendimento de que a censura só poderia vir do Estado. Contudo, na realidade atual, as plataformas digitais se constituem como a principal estrutura de censura dos usuários na internet.”

Para Christofoletti, enfrentar esse cenário de desinformação nas redes talvez seja “o grande desafio das nossas gerações.”

Ele diz enxergar dois caminhos nesse contexto. Uma saída política, que buscaria “vias políticas de pressão, de convencimento, de busca de alianças”, e uma saída jurídica, procurando “nas cortes nacionais e internacionais maneiras de mitigar esses danos.”

Laura Miranda
Imprensa Apufsc