Eleições para reitoria: parecer aprovado pelo CUn coloca em risco autonomia universitária da UFSC

Texto aprovado gera dúvidas sobre legalidade do processo eleitoral e pode levar a questionamento do governo federal 

Um parecer aprovado nesta semana pelo Conselho Universitário da UFSC sobre o processo sucessório na reitoria pode colocar em risco a autonomia universitária e abre uma brecha para que o governo federal questione sua legalidade, levando até a uma intervenção futura na reitoria da universidade, com a nomeação de reitor pré-tempore. Esse é o alerta do presidente da Apufsc e de vários conselheiros do CUn. 

O Conselho se reuniu pela segunda vez no dia 18 de outubro para analisar o processo nº 23080.040906/2021-52, que trata da “constituição de comissão a fim de organizar e coordenar o processo de consulta informal à comunidade quanto à escolha dos ocupantes da reitoria para o período de 2022- 2026”. A relatoria inicial coube ao Conselheiro Luiz Alberton (CSE), cujo parecer foi confrontado pelo pedido de vista por parte do conselheiro Paulo Pinheiro Machado (CHF). Após os debates e da leitura de uma nota das entidades (DCE, Apufsc, Sintufsc e APG) (ver abaixo) houve a aprovação do parecer de vistas, por 29 votos a favor e 20 contra. 

Por mais de 30 anos, o processo eleitoral na universidade tem ocorrido da mesma forma. Primeiro, as entidades organizam e realizam uma consulta informal à comunidade universitária, de modo que a chapa mais votada indica os três nomes que são levados ao Conselho Universitário, onde é realizada uma eleição formal visando a composição da lista tríplice a ser enviada ao Presidente da República, que nomeia o reitor. O CUn é o colégio eleitoral formal e sua composição é de 70% para a participação docente e 30% para as demais categorias. Na primeira etapa, no entanto, historicamente a comissão formada pelas entidades tem plena autonomia na definição do regramento do pleito e sempre optou por um processo por meio de voto paritário, considerado mais igualitário e democrático, em que as categorias de professores, técnico-administrativos e estudantes respondem, cada uma, por um terço dos votos.

O parecer de vistas apresentado e aprovado não altera o pleito e sugere a manutenção da “consulta informal”, com “voto paritário sobre o universo efetivo de votantes”. Ao mesmo tempo, propõe a criação de “parâmetros e diretrizes para suas regulamentações”.  É aí que, na visão de vários conselheiros e do presidente da Apufsc, mora o perigo. 

“Com todo o respeito, o parecer é totalmente desnecessário pois as entidades, por meio da nota, já assumiram o compromisso de fazer a consulta informal e no sistema de voto paritário. Não havia a necessidade de nenhuma sugestão do CUn”, diz Bebeto Marques, autor da nota que foi subscrita Sintufsc, DCE e APG e apresentada na reunião de segunda. “Mesmo na forma de sugestão, acredito que se configura um ato ilegal porque se houver, por parte do Conselho Superior, um processo de regulamentação da votação à comunidade, seja uma consulta formal ou informal, isso já está previsto nas normas superiores e o peso é de 70/30. Assim, na prática, a aprovação desse parecer abre uma brecha para que o processo de escolha de reitor na UFSC seja questionado pelo governo federal.” Marques também afirma que “o parecer é inócuo nas pretensões de se regular inscrições de candidaturas junto ao CUn para a eleição da lista tríplice”. Ele também questiona quais as intenções do parecer aprovado, já que as entidades podem encontrar na internet os regramentos das eleições anteriores. “O que muda agora é que temos um governo federal que não respeita o que emana da comunidade universitária.”

O que diz a legislação 

A legislação federal que rege a escolha de reitores nas universidades “continua sendo um empecilho ao pleno exercício da autonomia universitária”, diz a nota das entidades. Embora o artigo 207 da Constituição Federal estabeleça  que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, uma lei de 1995 (número 9.192) manteve a prerrogativa presidencial de escolha dos dirigentes máximos dessas instituições a partir de uma lista tríplice. A lei determina que “em caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta por cento para a manifestação do pessoal docente em relação à das demais categorias”. O decreto 1916 de 1996 e a nota técnica 437 de 2011 fazem essa mesma referência.  

Para o presidente da Apufsc, “isso significa que, se houver qualquer tipo de regulamentação por parte do CUn, por lei, seria ilegal manter o voto paritário. Ou seja: ao se manifestar formalmente sobre a consulta, o Conselho automaticamente terá que respeitar a proporção dos 70/30”. Segundo ele, é uma situação que deixa um traço quanto à ilegalidade no processo de organização e escolha da lista tríplice enviada ao Presidente da República, o que pode ser usado por ele para nomear um interventor. 

A preocupação tem razão de ser. Desde o início do atual governo, já foram nomeados 22 reitores que não estavam no topo da relação, em alguns casos as universidades ficaram com interventores, na forma de pró-tempores. Uma reportagem recente do Estadão mostrou que nas universidades em que o primeiro colocado nas listas tríplices foi rejeitado, explodiram tensões políticas em decorrência de acirramento partidário, decisões tomadas pelos novos reitores sem consulta aos órgãos colegiados e denúncias de perseguições políticas. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), por exemplo, quatro diretores de faculdades entraram na Justiça contra o reitor, que recebeu apenas 4% dos votos da comunidade acadêmica. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os abusos cometidos pelo reitor escolhido por Bolsonaro fizeram o Conselho Universitário pedir sua destituição. 

Em dezembro de 2019, Bolsonaro baixou a Medida Provisória (MP) n.º 914 estabelecendo que o presidente da República não precisa acatar o nome vencedor da lista tríplice. Como a Lei n.º 9.192/95 não determina quem dos três da lista deverá ser escolhido, a MP era desnecessária, mas veio cheia de jabutis. A medida determinava que o voto para reitor deveria ser feito “preferencialmente de forma eletrônica” e permitindo que o indicado por ele pudesse escolher seu vice-reitor.

No início de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o governo federal não é obrigado a nomear o reitor mais votado da lista tríplice apresentada pelas universidades. A decisão foi tomada em resposta a uma ação movida pelo Partido Verde (PV), que afirmava que o governo Bolsonaro estava nomeando candidatos menos votados sem apresentar argumentação técnica para tal. Sobre esse assunto, o presidente da Andifes, Marcus Vinicius David afirmou ao Globo que “a governança das universidades é um tema fundamental que precisa ser reavaliado pelo Congresso”. 

Nota das Entidades 

A nota das entidades que representam docentes, técnico-administrativos e estudantes da UFSC reforça que, por meio da consulta informal, tem-se obtido maior participação das três categorias, “além de um alargamento dos debates de propostas em todos os campi da UFSC”. “Também por meio da consulta tem-se conferido maior legitimidade ao processo de escolha, que culmina com a inscrição da chapa mais votada junto ao Conselho Universitário. (…) Cabe lembrar ainda que é graças ao instituto do voto paritário que se tem alcançado um maior e mais claro compromisso das candidaturas com as demandas dos três segmentos que compõem a universidade”. As entidades lembram que esse formato garantiu à UFSC, por mais de 30 anos, uma estabilidade institucional, além de qualidade gerencial e democrática.

O texto foi escrito e subscrito pela diretoria da Apufsc, com apoio das demais entidades, para reafirmar o compromisso com a realização da consulta informal, assim que se tomou conhecimento da pauta da reunião do CUn. A diretoria salienta que levará o tema e sua posição para ser discutida no Conselho de Representantes. 

A lista tríplice deve ser entregue ao Presidente da República até 60 dias antes do término do mandato do atual reitor. 

::: Leia a nota na íntegra:

Ao longo dos anos e em incontáveis momentos, as entidades da comunidade universitária têm dado uma enorme contribuição à UFSC no enfrentamento dos mais diversos problemas e questões. Exemplo disso é o processo eleitoral de escolha para reitor, no curso do qual uma consulta prévia e informal organizada por essas entidades, antecede a eleição formal no Conselho Universitário.

Por meio da consulta informal, com suas regras e dinâmica, tem-se obtido maior participação de alunos, técnicos-administrativos e docentes, além de um alargamento dos debates de propostas em todos os campi da UFSC. Também por meio da consulta tem-se conferido maior legitimidade ao processo de escolha, que culmina com a inscrição da chapa mais votada junto ao Conselho Universitário – instância responsável por votar e definir a lista tríplice para envio ao Presidente da República. Cabe lembrar ainda que é graças ao instituto do voto paritário que se tem alcançado um maior e mais claro compromisso das candidaturas com as demandas dos três segmentos que compõem a universidade. É por essa equação, de natureza política, que a UFSC vem escolhendo, há mais de 30 anos, seus dirigentes máximos, com efeitos altamente benéficos para a estabilidade institucional e a qualidade gerencial e democrática.

A legislação federal que rege a matéria, no entanto, continua sendo um empecilho ao pleno exercício da autonomia universitária, especialmente porque, além de impor um tipo de regulação à consulta formal, não garante a nomeação da candidatura mais votada pela comunidade universitária. A situação piorou com o atual governo federal, pois o Presidente da República tem nomeado reitores menos votados ou até mesmo fora da lista tríplice, em claro desrespeito às prerrogativas das universidades.

Considerando tais aspectos e, principalmente, a reafirmação de nossos valores democráticos, o DCE, SINTUFSC, APG e APUFSC declaram, por meio desta nota, o firme propósito de realizar uma consulta junto à comunidade universitária, na expectativa de que eventuais candidaturas dela participem. Deixamos claro, desde já, que a regra da Consulta informal será baseada no sistema de pesos de voto paritário entre as três categorias. O calendário e demais detalhes da Consulta ficarão a cargo de uma comissão específica, a ser instituída em breve.

Por fim, reafirmamos nosso firme compromisso em defender a Universidade Pública, sua autonomia e seu pleno funcionamento.

Florianópolis, 18 de outubro de 2021.

Assinam 
Coordenação do DCE 
Coordenador Geral do SINTUFSC
Coordenação da APG
Diretoria da APUFSC-Sindical